Grupo Escolar “Campos do Amaral”

Luiz Carlos Pais

Este artigo narra a história do Grupo Escolar Campos do Amaral, de São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais criado pelo decreto estadual 3631, de 16 de julho de 1912, sendo suas aulas inauguradas do dia 1º de fevereiro de 1916. Este evento que foi amplamente divulgado na imprensa nacional está prestes a comemorar o primeiro centenário. Por esse motivo, a data é oportuna para vivenciar um retorno, visando prestar uma homenagem aos seus mestres, diretores e alunos de outros tempos. A motivação para escrever esta história foi o desejo de contribuir com a tarefa de preservar a memória de todos os cidadãos que protagonizaram a expansão da educação na terra natal de minha infância escolar.

O governador do Estado de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão, assinou o decreto no dia 16 de julho de 1912, quando era um dos líderes do chamado Pacto de Ouro Fino, acordo estabelecido entre coroneis do Sul de Minas e de São Paulo, que garantiu, por longos anos, a alternância de mineiros e paulistas na presidência da República. Seu nome ficou na história como um dos líderes do Partido Republicano Mineiro que exerceu o poder centralizador na República Velha. Os adversários usavam a expressão “tarasca mineira” para se referir à truculência praticada contra quem ousasse lhes fazer oposição. O termo “tarasca” faz alusão à imagem de um mostro mitológico assustador da Idade Média. Mas, naquele momento os ideais políticos republicanos sinalizaram algum avanço em relação aos liberais e aos conservadores, entre estes, alguns defendiam o retorno ao regime imperial.

Para entender as condições da instrução escolar local, antes da instalação do Grupo, é conveniente considerar um recenseamento feito pelo professor Gedor Silveira, em 1913. Esse trabalho deveria ser realizado pelo inspetor escolar, um idoso coronel que não estava muito interessado em fazer o seu trabalho. Assim, o generoso professor Gedor Silveira não mediu esforços para fazê-lo, por mais exaustivo que ele fosse. O recenseamento cadastrou todas as crianças do município, com idade entre 7 a 14 anos, verificando a situação geral das condições de oferta de educação. Gedor Silveira elaborou um tratamento detalhado, constando ter sido uma análise objetiva primorosa, pautada nos rigores das ciências exatas e os resultados foram enviados ao governo de Minas.

Os resultados do recenseamento não foram nada elogiosos ao importante município cafeeiro do sudoeste mineiro. Ainda nem mesmo havia sido estabelecido um conceito mais sólido de políticas publicas para a educação popular e as práticas políticas da República Velha eram mais absolutistas do que republicanas. Paradoxo necessário para entender as regras sociais instituídas na querida terra natal do início do século XX. Do total de 2805 crianças, com idade entre 7 e 14 anos, existia 1174 que não tinham nenhum acesso à instrução, vivendo nas “medonhas trevas do analfabetismo”, conforme expressão usada pelo próprio educador que elaborou a pesquisa. Em termos percentuais, 42 % das crianças em idade escolar não tinham acesso às lições de primeiras letras, nem mesmo à instrução doméstica, quando os pais tinham condições de ensinar seus filhos ou pagar um professor particular para proferir as lições na própria residência da família. Ao finalizar o relatório, o professor Gedor Silveira expressou sua consciente opinião: “Consola-nos, porém, vermos que dentre a população escolar em todo o município, recebem instrução nas escolas estaduais 720 crianças e 411 nas escolas mantidas pela nossa patriótica edilidade, particulares e domiciliares.” Em outros termos, as escolas primárias públicas estaduais atendiam somente a quarta parte das crianças em idade escolar.

O decreto de criação do Grupo Escolar foi assinado após discussão e aprovação dos deputados estaduais. Uma vez criado e instalado o estabelecimento, haveria acréscimo nas despesas públicas, pois além dos salários dos professores, haveria também o salário do diretor que não assumia aulas. Assim, o pagamento dos salários deveria estar inserido no orçamento estadual. Mas, a construção do prédio seria uma contrapartida financiada pelo próprio município. Para enfrentar esse problema, o primeiro passo foi contratar o projeto do prédio ainda existente no centro da cidade, que foi elaborado pelo engenheiro José Toffoli, de Ribeirão Preto, SP. Um profissional com larga experiência; diretor da Associação Comercial e Industrial daquela cidade e venerável de uma tradicional Loja Maçônica.

José Toffoli elaborou o projeto completo, incluindo a parte arquitetônica, técnica e o orçamento. Com o projeto elaborado, teve início então o empenho político para obter os recursos para a construção. A câmara municipal solicitou ao vereador Aprígio Serra, em 25 de maio de 1913, que ele fosse à capital, com a missão de tratar com o governo, os meios para viabilizar o início das obras. Além de obter empréstimo bancário, com o aval do Estado. O vereador obteve sucesso na missão. Alguns dias depois, os vereadores aprovaram um voto de louvor pelo seu empenho na viagem realizada. O vereador conseguiu medidas relevantes para o município. Um episódio de mão dupla, pois, na reunião do mesmo dia foi aprovada uma moção de apoio à candidatura de Delfim Moreira à presidência do Estado

Em 3 de agosto de 1913, os vereadores trataram da licitação para a construção do prédio que iria proporcionar um novo estatuto para a educação local. Havia sido lançado um edital com os detalhes exigidos na construção. Naquela reunião, os trabalhos iniciaram com a abertura das propostas de três construtores da cidade, os quais estavam dispostos a contratar os serviços. Abertas as propostas, verificou-se que um dos três construtores proponentes tinha estreito grau de parentesco com o Agente Executivo municipal, senhor José Pimenta de Pádua, filho do coronel Antônio Pimenta de Pádua.

Os três construtores eram: José Marcolino [sic], José Pimenta de Carvalho e Damião Busson. Os três nomes traziam, igualmente, o complemento “e outros”, sinalizando tratar-se de um empreendimento cujos serviços seriam repassados para outros profissionais. Antes de criar algum constrangimento, atento aos princípios éticos, o próprio agente executivo propôs que o vice-presidente, advogado José de Souza Soares, genro do coronel José Cândido Pinto Ribeiro, assumisse a coordenação daquela reunião, que foi secretariada pelo vereador Noronha Peres, em substituição ao vereador Aprígio Serra.

Cientes da importância da deliberação, os vereadores resolveram submeter o projeto à análise das comissões internas de finanças e de obras públicas. Por esse motivo a sessão foi suspensa, por alguns minutos, para aguardar a análise das comissões. No retorno, foi lido o parecer com a aprovação: “As comissões de obras públicas e finanças, reunidas conjuntamente, nas quais foram analisadas as propostas apresentadas para a construção do prédio para o Grupo Escolar (...) opina que seja aprovada e aceita a proposta de José Pimenta de Carvalho, pelo preço de 78 contos e 400 mil reis”

Alguns proprietários de imóveis situados no Largo do Rosário, atual Praça João Batista Teixeira, não gostaram nada do local escolhido para construção prédio, julgando que o seu funcionamento pudesse trazer algum incômodo. Assim, assinaram um documento pedindo que o prédio fosse construído em outro local. O pleito foi submetido aos vereadores que, mesmo ponderando as razões dos postulantes, entenderam que o benefício da população deveria ser colocado em primeiro lugar, indeferindo a solicitação dos moradores.

O lançamento da pedra fundamental ocorreu pouco mais de um ano após a criação da escola, em cerimônia realizada no dia 7 de setembro de 1913. À noite desse mesmo dia, houve uma sessão cívica, literária e teatral no salão nobre da Escola Normal. O ponto alto dessa sessão foi a conferência proferida pelo professor Gedor Silveira, que dissertou sobre “O ensino cívico e a data da nossa autonomia nacional”. As escolas primárias isoladas foram formalmente convidadas à participarem do lançamento da pedra fundamental. Um boletim foi distribuído para convidar o povo que testemunhou um evento sem precedentes. Era o início de um novo tempo na história da expansão da instrução primária.

Por volta das 14 horas, uma multidão estava reunida no Largo do Rosário. Foi hasteado o pavilhão nacional, cantado o hino da independência, ao som de uma Banda de Música. Chegaram os alunos do professor Gedor Silveira, desfilando em marcha militar desde a Praça Aristides Lobo, ao som de clarins e de tambores. Em seguida, chegaram as alunas da professora Luiza da Silveira, todas vestidas de branco, acenando com fitas nas cores da bandeira nacional. Chegaram ainda as alunas das professoras Minervina Felinto, Leopoldina Silva e Maria Arantes. Por fim chegaram, um pouco atrasados, os alunos do professor Ângelo de Souza Nogueira, um educador com a experiência dos seus quase 60 anos. As alunas da Escola Normal chegaram todas vestidas de branco e acompanhadas da normalista Hercília Soares, recém graduada na Escola, que foi a primeira concluinte o curso, no final do ano anterior. O agente executivo, José Pimenta de Pádua, convidou o juiz de direito, Luiz Sanches de Lemos, para presidir a solenidade. O primeiro discurso foi do eloquente advogado José de Souza Soares, representando a Câmara Municipal. Em seguida, discursou o professor Gedor Silveira, identificado como catedrático da matéria de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Normal da cidade.

A inauguração ocorreu no dia 1º de fevereiro de 1916 e foi um evento de grande importância na história das condições de acesso à instrução primária gratuita. Consta no livro de atas da Câmara Municipal que, por iniciativa do vereador Souza Soares, em reunião de 21 de janeiro daquele ano, foi concedida uma ajuda de 500 mil reis para as despesas com a festa de inauguração. No dia seguinte, o correspondente do jornal Correio Paulistano escreveu reportagem detalhada a qual serviu como uma das fontes para escrever a história.

Um mês antes da inauguração, uma nova Câmara havia tomado posse, assumindo como agente executivo o coronel José Francisco de Paula. A construção do prédio havia envolvido recursos um pouco mais expressivos do que o normal. Houve alguns comentários e fuxicos sobre a as “condições financeiras” deixadas pela administração anterior, mas nada que extrapolasse a receita orçamentária prevista para o ano que se iniciava. Nesse sentido, foi divulgada notícia que o município tinha uma dívida flutuante de 102 contos de reis, à qual deveria se somar um empréstimo de 315 contos. Mas, a cafeicultura estava passando por uma fase excelente. Alguns anos depois, em 1922, fazendeiros e coroneis da cidade criariam o Banco J. O. Rezende, com capital de um milhão de contos de reis.

No dia 9 de dezembro de 1916, um jornal do Rio de Janeiro publicou reportagem sobre a festa organizada para comemorar o final do primeiro ano letivo do Grupo Escolar dirigido pelo professor Gedor Silveira. Momento de expectativa dessa festa foi a entrega dos certificados de aprovação de dezoitos alunos que concluíram o curso primário. Todos eles já estudavam, antes da instalação do Grupo, na classe da professora Luiza Aurora de Aguiar Silveira. O cronista refere-se à professora como sendo uma exitosa alfabetizadora, cuja competência era amplamente reconhecida na cidade, mostrando que a sociedade local tinha por ela a mais elevada estima e consideração.

Luiz Carlos Pais.

Campo Grande, MS, 21 de Janeiro de 2016

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