Gabinete de Leitura

O cônego Thomaz de Affonseca e Silva tem seu nome na história de São Sebastião do Paraíso, MG, por motivos que vão muito além do exercício do sacerdócio. Foi um fervoroso defensor da abolição da escravatura e liderou reuniões com fazendeiros da região em favor da libertação dos escravos. Publicou artigos na imprensa nacional sobre o direito dos escravos recebem o sacramento do matrimônio na Igreja. Foi o quinto pároco da Igreja Matriz, de onde não se esmoreceu em favor do movimento abolicionista, mesmo ciente da importância econômica das grandes fazendas cafeeiras da região. Como estava ocorrendo em outras regiões do país, os primeiros imigrantes europeus estavam chegando para substituir a mão-de-obra escrava e começaria o chamado sistema de colônias rurais.

O sacerdote abolicionista liderou grandes festejos na comunidade por ocasião da assinatura da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. É considerado o fundador de São Tomás de Aquino, cuja primeira capela foi erguida graças ao patrimônio constituído por terras doadas pelo Major Jerônimo Alves por solicitação do cônego. Antes de ser nomeado pároco local, cônego Thomaz exerceu o vicariato em outras cidades mineira e paulistas. Há registros de sua atuação em Carmo do Rio Claro, por volta de 1875. Exerceu o sacerdócio na paróquia paulista de Nossa Senhora da Piedade do Mato Grosso de Batatais (Altinópolis).

Devoto de Tomás de Aquino, por onde viajava, o cônego trazia em sua bagagem uma imagem do Santo Doutor, que ele mandara um renomado artista esculpir. Tinha a intenção de erguer uma capela a São Tomás de Aquino e para isso a imagem foi encomendada. Esperou o tempo certo para realizar o sonho, até encontrar apoio de fazendeiros generosos para realizá-lo. Foi então nomeado pároco da Igreja de Nossa Senhora da Penha do Rio do Peixe (Itapira), SP, onde permaneceu certo tempo, e foi transferido para a paróquia de Queluz, MG. Com o falecimento do pároco Joaquim Ferreira Teles, em 1884, cônego Thomaz foi nomeado pelo bispo de São Paulo, para exercer a direção pastoral na comunidade católica paraisense. Dois anos depois, recebeu autorização para proceder à benção de uma nova Igreja Matriz de São Sebastião do Paraíso. A antiga, construída em 1853, tinha sido destruída num terrível incêndio ocorrido no dia 31 de agosto de 1879.

No campo da educação escolar popular, seu nome deve ser destacado em vista da liderança exercida na criação da provável primeira bibliotecas da cidade franqueada à frequencia dos moradores de modo geral. O evento foi noticiado na imprensa de Ouro Preto, capital da Província de Minas, em fevereiro de 1889. Assim, faltavam poucos meses para terminar o período imperial e os paraisenses das classes mais populares foram presenteados com uma instituição que expandiu as condições de leitura, acesso à informação e à cultura impressa de modo geral. Naqueles tempos, preservando a tradição portuguesa, as bibliotecas eram chamadas de “Gabinetes de Leitura”.

A notícia do evento que tanto entusiasmou a população foi divulgada nos seguintes termos: “Fundou-se em São Sebastião do Paraíso um gabinete de leitura intitulado Gabinete de Leitura Valentim Magalhães, ficando constituída a sua diretoria sob a presidência do cônego Thomaz de Affonseca e Silva.” O mesmo jornal informou que faziam parte da diretoria os seguintes cidadãos beneméritos da cultura e educação: Antonio Soares de Paula Coelho, Placidino Brotero Franklin Brigagão, Ângelo Calafiori e o coronel José Luiz Campos do Amaral Junior. [A União, Ouro Preto, 9.2.1889, p. 3]

Para consolidar o projeto, além das doações de livros recebidas da sociedade local, consta na notícia divulgada que, naquele momento, a diretoria havia feito uma encomenda de novos títulos, nas mais importantes livrarias do Rio de Janeiro. Fato ainda divulgado em âmbito nacional foi a inauguração de um curso noturno para alfabetização de adultos, anexo ao Gabinete de Leitura, com uma classe de 50 alunos, em grande parte ex-escravos recém libertos. Na falta de professor público, o próprio José Luiz Campos do Amaral Junior se dispôs a ministrar lições de primeiras letras. São pequenos grandes gestos em favor da educação de outrora, cujos protagonistas transcendiam diferenças que tanto podem e devem aproximar as pessoas. Infelizmente, poucos meses após a criação do Gabinete de Leitura, cônego Thomaz faleceu, no Rio de Janeiro, vítima de febre amarela, quando aguardava para viajar à França, onde pretendia tratar de um problema de visão. No dia 7 de junho de 1889, o Diário de Notícias do Rio de Janeiro publicou a seguinte nota, anunciando o falecimento do generoso cônego e convidando seus amigos para assistem a uma missa que seria rezada, às 8 horas do dia seguinte, na Igreja do Carmo, para o descanso eterno de sua alma.

Luiz Carlos Pais

Campo Grande, MS, 20 de janeiro de 2016

luiz.pais@ufms.br