PENSAVA QUE NÃO ERA.
“Ainda ontem pensava que não era”.
“Ainda ontem pensava que não era mais do que um fragmento trêmulo sem ritmo na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera, e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.
Eles dizem-me no seu despertar:
“ Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita de um mar infinito.”
E no meu sonho eu respondo-lhes: “Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia sobre a minha margem.”
Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
“Quem és tu?”
Khalil Gibran
Compreender, distância entre a simplicidade e as profundezas da complexidade. Entender é primário. Entendo o que a natureza oferece, mas não como forma o que me oferece. É necessária a consciência dessa "margem" entre oferecer e consolidar o que oferece; "todos os mundos não passam de grãos de areia sobre a minha margem."
Entender é simplório exercício cerebral, alcance de todos, compreender é neutralidade em contestar, tranquilidade em absorver e dissecar, se possível. Continuo na minha vida a árdua tarefa de buscar compreender, teia de aranha fina e frágil, que arrebenta os fios na movimentação que se pretende sobre a teia, difusa e labiríntica.
“Pensava que não era..”.
O não ser é passível de admissibilidade. Estamos entregues a uma organicidade irrealizada, e no meio desse organismo não somos.
Sim, não somos o que pensamos ser em pessoa e nos destinos desse organismo chamado sociedade no qual estamos inseridos, que faz o naufrágio da vontade de ser melhor.
Mas começamos a compreender, que somos o grão, mas somos também o mar. Já é bastante. E que o mar bravio revolve o grão, mas não o mata, não o extingue, somente o movimenta, vai de um lugar ao outro, junto ao mar.
E precisamos compreender para alçar o voo de Gibran.
Compreender é o saber sem o exercer, penetrar o âmago, abrir mão do conhecimento e elevar o coração acima do cérebro. Abafar a emoção e dar lugar à racionalidade integral. Compreendendo minimamente a equação do grão e do mar, os elementos, ensinar sem contestar; ouvir, depurar, harmonizar o caminho, ao menos tentar, nos convencendo e convencendo se o convencimento for a razão.
É eleição de difícil proporção, caminho de remotos passos e poucos passantes, mas é o caminho, e será caminhado.
No fim, contudo, será dito, "Quem és tu?".
Existirá um mar e um grão que se encontram na unidade definitiva.