Morena difícil
No cinema.
– Com sua licença, senhorita? Esta é a única cadeira vaga, e assistir a um filme de pé cansa muito – disse, já sentado.
– Nacional dos bons, não? Só venho ao cinema quando sei que não haverá enlatados. Você também? Empatamos nesse gosto.
Silêncio.
– Gosta de bala? Ah! Já tem uma na boca. Mesmo assim, dou-lhe duas. Não precisa agradecer, causa-se prazer servir pessoas iguais a você.
Novo silêncio.
– É noiva? Interessante! Eu também uso aliança e não sou noivo.
Suspiros.
– Permite-me convidá-la para uma coca-cola após a fita? Engraçado, já convidei. Sua companhia será muito agradável.
Novo suspiro.
– Linda aquela atriz, não?
Pequeno silêncio.
– Adoro o seu sorriso. Qual? O seu e o dela, claro! Você é mais bonita por ser morena. Bondade minha? Não! Imagina! É a pura verdade. Não sou galanteador.
Outro suspiro.
– Suas mãos estão frias. Posso aquecê-las? São macias como a lã de carneiro. Não me leve a mal, quero apenas ajudar... Tem medo do escuro? Eu não tenho, e ao meu lado pode ficar tranquila. Aqui ninguém fará nada com você.
Barulho nas poltronas.
– Terminou. Vamos? Lá fora a noite está bonita. Já imaginou se fôssemos namorados? Poderíamos passear por aí, sem rumo, esquecidos do mundo... Tem razão, infelizmente não somos... Então, ao refrigerante.
E então ela tonou uma coca-cola e despareceu. Fiquei sozinho, sendo que logo descobri a falta de minha carteira e de meu relógio.
Bela paquerada!
(25/11/1977)