Retrato de Professores: senhora química e física

Foi numa destas festas familiares, em que eu já habituado a não falar da profissão, como outros de outras profissões não falam, a não ser que envolva prestígio - aí no caso as pessoas o fazem falar.

Uma senhora de sessenta anos se apresenta como professora aposentada de física e química. Pelo meu conhecimento nestas áreas, fiquei curioso mas ao mesmo tempo não tive interesse em saber dos seus conhecimentos na área.

Gosto muito destes assuntos, leio e assisto vídeos, em que fico concentrado por horas. Mas não parecia que o que ela me dizia era tão interessante quando o que aprendo através da internet e leituras. Não que ela não soubesse bem seu conteúdo, mas o que ela sabia e tomava como suas disciplinas.

O professor confundiu seu saber, massificado e pedagogizado, com a ciência que estudou e aprendeu a admirar na academia.

O valor do saber do professor se tornou baixo, tanto financeiramente quanto socialmente, isto reflete como ele é visto pela sociedade em geral, em como vê o seu próprio trabalho e como é tratado pelo aluno.

Mas não são só os alunos. Os pais, autoridades e governantes não possuem em relação aos docentes esta consideração.

A violência contra o professor, seja pela agressão da polícia, seja pela agressão dos alunos e da mídia ligada a empresas de ensino, tem origem nesta depreciação do seu saber e da importância do mesmo.

Esta depreciação não tem origem numa indolência e preguiça dos professores em ensinar de fato coisas importantes. Mas de ter que lutar para despertar um interesse que a família, a comunidade e a própria mídia não conseguiu ou não teve interesse. Sem este interesse, não tem aprendizagem. Então o professor luta antes de tudo pelo interesse, sua dificuldade se encontra mais nisto, do que na sistematização e profundidade do saber que ministra. Mesmo por que não inicia este sem antes ter o interesse e colaboração do aluno.

Ao contrário do que muitos apregoam. A indisciplina que dificulta a aprendizagem não é uma reação a aula ruim, mas de uma aula de pouco interesse para os alunos. Se supormos uma turma em que a maioria dos alunos esteja interessada em aprofundar seus conhecimentos sobre o mundo - o que fariam ao se deparar com professores que não lhes proporcione o seus conhecimento? Aproveitariam para ficarem sem fazer nada e desperdiçarem o tempo com brincadeiras ou cobrariam os professores? Fariam perguntas e exigiriam dele mais do que ele está dando?

Temo que na pior das hipóteses, ele tenha transformado seu saber acadêmico em discurso escolar, moldado a alunos pouco dispostos a aprofundar a matéria ou mesmo levar a sério a escola.

Ao contrário, do que muitos falam do professor, os que conheço dão aula antes de tudo para o famoso excluído. Numa época em que demagogicamente o excluído vira objeto de barganha política, o famoso bagunceiro vira vítima e pouco pode ser feito para ser disciplinado.

O professor tenta envolvê-lo por que sabe que com a permissão do mesmo para dar aula ele evita o desgaste e o tempo perdido para negociar com a turma o ambiente necessário para a aprendizagem.

Nisto, o saber se torna a imagem e semelhança deste aluno. É superficial, não exige estudo em casa, fácil de decorar e dá a sensação de realmente estar aprendendo algo importante.

Isto por que tivemos 13 anos de governo federal em que a figura do excluído se reduziu a figura demagógica do "coitadinho". O coitadinho não é o cara que recebe uma atenção diferenciada ou condições de superar seus limites. Ele é o "café-com-leite", aquele que não se exige e nem cobra por ser vítima do sistema.

O professor é alienado do seu saber ao deixar de ser um intermediador entre seu saber acadêmico e o senso comum do aluno, para ser um vulgarizador do saber acadêmico. Ele deixa de ser o sujeito que representa uma vertente do saber e interessado em levá-lo a ter sentido no cotidiano e horizonte do aluno, para ser o simplificador.

O desprestígio do professor, não considerando as campanhas que certos veículos de imprensa ligado a empresas de ensino, se deve muito a esta mudança em seu papel: ele deixa de ser um intermediário para ser um massificador.

Ele ajusta seu saber a uma sociedade que lê muito pouco, vota mal, e é manipulado pelo próspero culto do São Dízimo, tem como modelo o malandro, quer pena de morte, é machista e tem como orgulho internacionais suas festas e a exuberante natureza ( que encontrou pronta).

Como já dizia o pai da didática moderna, Comenius, é idiotice tentar ensinar ao aluno algo que não lhe interessa ou que não faça sentido pra ele aprender.

O aluno sabe o que lhe interessa ou o que faz sentido para ele. E infelizmente este aluno vem de uma sociedade e vive em sociedade. E esta não se aparta do mesmo quando ele entra em sala de aula.

O que vi de fato naquela senhora é o resquício de uma época e certo sentimento de deslocamento: ela ainda crê em algo que para as pessoas hoje deixou de ter significado. Age como em outros tempos, buscando um reconhecimento nas pessoas que elas não tem mais pra dar.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 17/01/2016
Reeditado em 17/01/2016
Código do texto: T5514238
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.