VÉIO DOIDO

De vez em quando o meu neto,que é meu assessor para assuntos relacionados com a informática, ao ouvir alguma besteira que digo, grita: - Mãe (é como chama a avó), teu véio tá doido, só conversa besteira.

Sei que diz isso brincando, mas ele fica mesmo estarrecido com as histórias do tempo antigo que eu lhe conto e também com os meus hábitos e manias do tempo do ronca. Só faço rir com o espanto dele, mas rir com precaução para a asma não bater.

Dia desses disse a ele que admiro mais quem conta fraquezas doque quem conta vantagens e grandezas. Ele riu, mas não me chamou de véio doido. Realmente destesto ouvir alguém se gabando, elogiando a si próprio, falandode suas conquistas, enfeitando o próprio maracá. Também não gosto de ouvir alguém falando do QI alto de filhos e netos, nem das suas vitórias, bens,posição nasociedade, vida social e muito menos conquistas amorosas (a maioria mentira). Sim, admito que isso pode ser reflexo do fato de não ter o que contar no campo de vitórias, realizações, vida social e o escambau. Quanto aos meus familiares nao conto nada, nem elogio. É coisa minha, nao elogio familares, detesto jogar confetes em parentes.

O que o neto também se surpreende é que digo que adoro quando alguém me conta uma fraqueza, confessa um erro, admite ser fraco, conta uma gafe cometida, admite ser fraco. Às vezes, creiam, fico até com inveja. Acho um ato humano notável. Acho uma grandeza.

Contei a ele uma dessas confuissões. Um amigo, sujeito bem posto na vida, bem casado, os filhos encaminhados, culto, estava numa roda de papo com alguns sujeitosque estavam mentindo mais do quecachorro de fateira, contando vantagem, quando de, repente, ele olhou para mim e disse: "Nem te conto, bicho. Tu tá com a bombinha de asma no bolso? Só conto se tiver". Eu mostrei a bombinha. Ele continuou e os cachorros de fateira calados:"Olha, precisei ir ao centro da cidade à semana passada,mas estou proibido de dirigir devido a porra da saúde, e meu filho está em São Paulo. Pelejei para rarrumar um táxi e não consegui. Então tive que pegar um ônibus, estava cheio que nem lata de sardinha. Fui em pé segurando naqueles canos ou argolas, quando senti que estava precisando urgente ir ao sanitário, era dor de barriga, desenteria, deve ter sido uma danada de uma liguiça que comi no dia anterior. Mas comoir de imediato ao banheiro? Resultado: me caguei dentro do ônibus, foi aquele melelê. Detrás demim vinha dois sujeitos de boné do Sabnata Cruz, cada um com maletinha de encanador. Não tiveram dúvida, mandaram parar o ônibus e me retiraram de dentro dele, e um deles se ofereceu para ir comprar numa lojinha da Conde da Boa Vista, onde se deu o fato, uma bermuda dessas bem baratas, enquanto o outro me rebocou para um bar ali perto que ele conhecia onde tinha banheiro, tomei um banho, me limpei todo, vesti a bermuda, agredeci aos dois e quis gratificá-los. Passei uma vergonha danada, ekes ficaram ofendidos, um deles afirmou: - Que é isso, tio? A gente n~~ao ajuda os outros nuam saia justa visando dinheiro não, a gente é tudo irmão. Fiquei com mais vergonha do que da cagada no ônibus". A turma parou de contar vantagem. E achei ahistória arretada. O cara aanão teve vergonha de contar um insucesso, uma saia justa, uma gafe, um episódio hilário mas que pode suceder a qualquer um. E contou até o gesto de solidariedade humana dos encanadores torcedores do santa Cruz.

Acho que estou mesmo ficando um véio doido, so gosto de histórias de fraquezas. Detesto ouvir mentiras dos tais bambambão de araque, fico puto da vida, as vezes me levanto e saio. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 16/01/2016
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