A Rua da Despedida
A rua agoniza, podre, em sua memória. Uma dúzia de crianças magricelas correm atrás de uma bola velha e remendada aos berros e risadas. Pombos remelentos voam aqui e ali. À um canto, um cão maltrapilho lambe suas feridas repletas de moscas e lança-lhe um olhar de dúvida ou, talvez, acusação.
O velho sorveteiro não mais se faz presente. Daquelas árvores robustas restaram apenas os galhos secos. O banco, testemunha de tantos encontros felizes, tornara-se sombrio e encontrava-se agora coberto por fezes. Alguém roubara seu ar acolhedor e levara junto as esperanças de encontrar, ali, aquele sorriso.
Ah, sim, o sorriso... Invade-lhe a mente e a preenche de lembranças inexistentes. Recorda-se dos beijos não dados, das palavras não ditas e dos abraços sonegados, quiçá por puro orgulho e egoísmo.
Um suspiro pesado lhe escapa. Rendida, volta sua atenção à rua mais uma vez. Custa-lhe muito forçar seus pés a seguirem outro caminho. Exausta, toma seu rumo sempre atenta a possibilidade de ouvir outra vez, uma última vez, o gorgeio doce daquele colibri que foi fazer seu ninho noutro lugar sem ao menos dispensar-lhe um canto de despedida.