“A realidade é a ficção que não cabe nos livros. ”
Fiquei hipnotizado pela frase pendurada à saída de uma livraria do Centro do Rio, um daqueles sebos que ainda resistem à extinção. Segui caminhando por entre os sobrados descoloridos e nostálgicos da Av. Marechal Floriano, fui em direção a outro estabelecimento que sobrevive ao progresso, a Casa do Café Capital.
Pedi uma xícara. Enquanto saboreava aquele raro momento íntimo, noto uma negra alta e curvilínea me encarando. A sensação que me toma, quando alguém crava a atenção em mim, é que todos os olhos do mundo se movem para assistirem as minhas banalidades. Fiquei estático, na esperança de ser esquecido. Mas o pior estava por vir, a bela mulher veio para mais perto e me confrontou.
- Cara, há anos que estou esperando te encontrar. Por que você me abandonou? – Ela se anunciou num tom de voz elevado.
- Não estou lembrando de você. De onde a gente se conhece? – Respondi engasgado, pisando em ovos.
- Você só pode estar de brincadeira, Arlindo. Eu te amo, cara. Sempre te amei. – A declaração explodiu num grito.
- Olha, acho que você está me confundindo...
- Para de sacanagem, Arlindo. Você sumiu, nunca mais me procurou e eu não conseguia te encontrar. Cara, eu te amo – agora, ela repetia o mantra batendo forte no meu peito.
A intuição me levou a crer que seria melhor não contrariar aquela fé num Arlindo que eu não era. Preferi prosseguir a conversa num rumo que acalmasse a moça.
- Bem, agora estamos aqui e nos reencontramos. Como você está?
- Eu estou com saudade, Arlindo. Muita saudade. Como eu poderia estar?
Você me levava a loucura, me dava prazer. Eu fui feliz contigo, cara. Eu ainda te amo. – E volta a socar o meu peito.
Uma pequena plateia já se formava na cafeteria, um congresso de curiosos com idílico reencontro que se desenhava sob a vista árida da torre do relógio da Central do Brasil.
- Vamos sair daqui, Arlindo. Vamos para aquele motel que você me levava, onde a gente passou tantos momentos bons.
Diante da sensualidade e do apelo feminino, o homem é de uma fraqueza patética. Naquela altura, eu já estava agradecendo por ter me tornado o Arlindo, seria capaz de jogar minha identidade fora, junto com o CPF, para erguer uma nova vida ao lado daquele mulherão inesperado.
- Eu só não me lembro direito a rua do motel – embromei.
- Meu Deus, Arlindo. Você esqueceu de tudo, que horror - ela me puxa para fora da loja, sinaliza para um táxi e pede que nos leve à Rua do Lavradio.
Passo pelos Arcos da Lapa suando de ansiedade. O taxista penetra numa garagem obscura e desembarcamos.
Pago adiantado pelo período de hospedagem. Dentro do quarto, sem me dar direito a um prefácio, a minha companheira tira a roupa e revela a sua exuberância em ondas de ébano. Joga-se em cima de mim, puxa a minha cabeça e me tasca um beijo de causar vertigens. Foi quando eu me prometi que acenderia uma vela e mandaria rezar uma missa pelo Arlindo. Nunca imaginaria ser ator daquela peça vespertina e a adrenalina temperava o fluxo de emoções que se sucediam.
- Passa a noite comigo, Arlindo. Cuida de mim. Você vai ver que sou a mesma Daniele, a de sempre – ela suplica e revela o nome.
- Mas ainda nem anoiteceu, querida. Foi tudo de surpresa, não vou poder ficar tantas horas.
- Você continua o mesmo, só quer sexo. Vai embora, preciso dormir. Você só quer o meu corpo.
Daniele desconfiou que eu desejava o sexo antes do sexo acontecer. Tentei argumentar, mas a sentença foi definitiva. Respirei fundo, me recompus e me preparei para sair, atendendo à determinação. Ela mirava os meus gestos com uma expressão ressentida. Pediu uma caneta, anotou alguma coisa num pedaço de papel e o enfiou no meu bolso da camisa.
- Só leia depois que estiver longe – avisou.
Assim que alcancei a Av. Mem de Sá, resgatei o papel do bolso, abri a dobra e li o bilhete.
“Manolo, eu te amo. Me desculpa. Volte se quiser, você sabe onde me encontrar. Da sua Daniele”.
Eu poderia voltar como Manolo, mas pressenti que o meu combalido coração seria incapaz de assumir tantos heterônimos somente para se satisfazer numa orgia incerta. Num único entardecer, perdi três entidades que me reaqueceram o coração: o Sol, a Daniele e o Arlindo.
Fiquei hipnotizado pela frase pendurada à saída de uma livraria do Centro do Rio, um daqueles sebos que ainda resistem à extinção. Segui caminhando por entre os sobrados descoloridos e nostálgicos da Av. Marechal Floriano, fui em direção a outro estabelecimento que sobrevive ao progresso, a Casa do Café Capital.
Pedi uma xícara. Enquanto saboreava aquele raro momento íntimo, noto uma negra alta e curvilínea me encarando. A sensação que me toma, quando alguém crava a atenção em mim, é que todos os olhos do mundo se movem para assistirem as minhas banalidades. Fiquei estático, na esperança de ser esquecido. Mas o pior estava por vir, a bela mulher veio para mais perto e me confrontou.
- Cara, há anos que estou esperando te encontrar. Por que você me abandonou? – Ela se anunciou num tom de voz elevado.
- Não estou lembrando de você. De onde a gente se conhece? – Respondi engasgado, pisando em ovos.
- Você só pode estar de brincadeira, Arlindo. Eu te amo, cara. Sempre te amei. – A declaração explodiu num grito.
- Olha, acho que você está me confundindo...
- Para de sacanagem, Arlindo. Você sumiu, nunca mais me procurou e eu não conseguia te encontrar. Cara, eu te amo – agora, ela repetia o mantra batendo forte no meu peito.
A intuição me levou a crer que seria melhor não contrariar aquela fé num Arlindo que eu não era. Preferi prosseguir a conversa num rumo que acalmasse a moça.
- Bem, agora estamos aqui e nos reencontramos. Como você está?
- Eu estou com saudade, Arlindo. Muita saudade. Como eu poderia estar?
Você me levava a loucura, me dava prazer. Eu fui feliz contigo, cara. Eu ainda te amo. – E volta a socar o meu peito.
Uma pequena plateia já se formava na cafeteria, um congresso de curiosos com idílico reencontro que se desenhava sob a vista árida da torre do relógio da Central do Brasil.
- Vamos sair daqui, Arlindo. Vamos para aquele motel que você me levava, onde a gente passou tantos momentos bons.
Diante da sensualidade e do apelo feminino, o homem é de uma fraqueza patética. Naquela altura, eu já estava agradecendo por ter me tornado o Arlindo, seria capaz de jogar minha identidade fora, junto com o CPF, para erguer uma nova vida ao lado daquele mulherão inesperado.
- Eu só não me lembro direito a rua do motel – embromei.
- Meu Deus, Arlindo. Você esqueceu de tudo, que horror - ela me puxa para fora da loja, sinaliza para um táxi e pede que nos leve à Rua do Lavradio.
Passo pelos Arcos da Lapa suando de ansiedade. O taxista penetra numa garagem obscura e desembarcamos.
Pago adiantado pelo período de hospedagem. Dentro do quarto, sem me dar direito a um prefácio, a minha companheira tira a roupa e revela a sua exuberância em ondas de ébano. Joga-se em cima de mim, puxa a minha cabeça e me tasca um beijo de causar vertigens. Foi quando eu me prometi que acenderia uma vela e mandaria rezar uma missa pelo Arlindo. Nunca imaginaria ser ator daquela peça vespertina e a adrenalina temperava o fluxo de emoções que se sucediam.
- Passa a noite comigo, Arlindo. Cuida de mim. Você vai ver que sou a mesma Daniele, a de sempre – ela suplica e revela o nome.
- Mas ainda nem anoiteceu, querida. Foi tudo de surpresa, não vou poder ficar tantas horas.
- Você continua o mesmo, só quer sexo. Vai embora, preciso dormir. Você só quer o meu corpo.
Daniele desconfiou que eu desejava o sexo antes do sexo acontecer. Tentei argumentar, mas a sentença foi definitiva. Respirei fundo, me recompus e me preparei para sair, atendendo à determinação. Ela mirava os meus gestos com uma expressão ressentida. Pediu uma caneta, anotou alguma coisa num pedaço de papel e o enfiou no meu bolso da camisa.
- Só leia depois que estiver longe – avisou.
Assim que alcancei a Av. Mem de Sá, resgatei o papel do bolso, abri a dobra e li o bilhete.
“Manolo, eu te amo. Me desculpa. Volte se quiser, você sabe onde me encontrar. Da sua Daniele”.
Eu poderia voltar como Manolo, mas pressenti que o meu combalido coração seria incapaz de assumir tantos heterônimos somente para se satisfazer numa orgia incerta. Num único entardecer, perdi três entidades que me reaqueceram o coração: o Sol, a Daniele e o Arlindo.