Caminho inverso
Comecei 2016 fazendo o caminho inverso da evolução tecnológica, comecei desligando meu roteador D’Link da tomada e o guardando junto com outras tralhas, no meu guarda-roupas. Tenho dois guarda-roupas, mas não tenho roupas suficientes nem para encher apenas um, então transformei um deles, em guarda-tralhas, isso eu tenho muito, já está ficando pequeno para tantas tralhas.
Na tradicional faxina de fim de ano encontrei um “monte” de coisinhas, que nem me lembrava mais que tinha. Estavam todas perdidas no guarda-tralhas. Encontrei um monitor de tubo 29 polegadas, uma máquina de escrever elétrica, Olivetti tekne 3, dois botijões de gás, de 13kg, enfim, um monte de coisas, perdidas entre papeis, livros e revistas.
Foi nessa faxina que decidi mudar meus hábitos, trocar o virtual pelo real, a cultura inútil por algo com mais conteúdo, o Facebook pelo Machado de Assis que ganhei de presente no Natal, e que estou devorando com muito prazer; o Twitter, pelo Vermelho e o negro, edição de luxo em dois volumes, capa dura, publicado em 1958, pela editora Difusão Europeia do Livro, obra que pretendo reler, assim que terminar o “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Senti saudades do “Sebo” e claro, dos livros; mais saudades ainda de quando eu lia os livros, lazer que deixei um pouco de lado (corei ao dizer isso, um escritor e jornalista que não lê, parece coisa de brasileiro).
Não pude deixar de ver um filme passar diante dos meus olhos, das discussões com outros ávidos leitores sobre os livros que estávamos lendo no momento e sobre os demais que lemos durante o intervalo do último encontro e ainda, sobre a lista de livros que estavam na lista de espera, para serem lidos.
Me perguntei se, assim como eu, os velhos amigos também haviam trocado a leitura de um bom livro, por outras culturas; ou se ainda mantinham o velho e insubstituível hábito de se perderem entre as páginas amareladas, e quais livros estariam lendo nesse momento, e se estavam lendo...
Fui retirando meus livros favoritos, cobertos de poeira, da caixa de papelão onde a tanto tempo estavam guardados. Cada livro que saía do meu “baú” de tesouro, me fazia vibrar de alegria, ficar embasbacado, bobo como uma criança diante de um brinquedo novo, metáfora, já que meus livros são quase todos velhos, garimpados, relíquias, quase sem nenhum valor monetário, mas de valor sentimental inestimável.
Com muito jeito e cuidado, como quem manuseia o maior dos diamantes, fui tirando o pó acumulado com o tempo e recolocando-os em minha estante da sala, seguindo a ordem de tamanho, separando (ou pelo menos tentando), por gêneros.
Quando enfim, coloquei o último livro na estante, o sol já havia se posto e eu nem havia me dado conta. Só então percebi que não sentira fome, nem cansaço, que não sentira calor ou frio, nem foi incomodados pelas muriçocas que zumbiam incessantes na sala mal iluminada.
Percebi o quão prazer senti nas várias horas em que passei em companhia dos livros, da sensação de prazer que sentia naquele momento, como a muito não sentia, de como era bom estar de novo em companhia de Machado de Assis, José Alencar, Stendhal, José Mauro de Vasconcelos, Lima Barreto, Euclides da Cunha e Paulo Coelho (por que não?).
Decidi nessa hora que minhas noites serão diferentes em 2016. Que quando não estiver nos braços da “pequena” que me encanta, estarei em companhia dos grandes que contam, em versos, trovas e contos, histórias de encontros e desencontros.
Assim, para não me trair, e não me render a fraqueza humana, dos projetos não realizáveis que ano após ano, no fim ou no início de cada um, projetamos; das promessas que fazemos, mesmo sabendo que não cumpriremos, cancelei o serviço de navegação da rede mundial de computadores.
Não sei se por sorte ou azar, meus dias já são consumidos em frente a esta máquina viciante que nos mantém em “contato” com o mundo todo, por obrigação, por exercício do ofício que sustenta meus caprichos e necessidades, em meu labor cotidiano.
Decidi que se meus dias são tragados pelo mundo virtual, minhas noites serão entregues, e consumidas, pelos livros e a companhia de viventes reais, em longas conversas com viventes comuns ou com o silêncio, um bom livro e uma xícara de café bem quente.