A SOFRER NO SERTÃO
Após acompanhar a seca invadindo cada recanto das cidades por onde passava, contemplar os animais desfiando, andando sem rumo a procura de água e alimento, as pessoas sempre numa luta diária com a temperatura acima do suportável, pus-me a clamar por misericórdia.
Cenas de cortar o coração do mais resistente ser humano. Vacas sem leite sendo seguidas pelos filhotes famintos – ambos cambaleantes e com as costelas a mostra. Cães chaguentos, desnutridos e sem donos vagueando e guerreando por um pedaço de plástico que exalava resquício de algo que lembrava uma refeição.
As nuvens vinham e desapareciam, como numa brincadeira de criança mostrando que se uma delas fosse pega o jogo estava ganho. Mas, quem poderia segurar fumaça, deter vento ou aprisionar as águas em evaporação? O jeito era esperar, apelar para a esperança e confiar no Criador.
Então ela veio. Quem nunca viu precisa ver a mudança tão significativa no sertão quando a chuva mostra sua cara. A conversa, o tom da voz, os olhos, o andar e até o sono sofrem alteração. Os adultos brincam na rua como se fossem crianças, enquanto alguém trás a notícia de que o barreiro de seu fulano já está com ‘boa quantidade’, a do sítio de seu beltrano ‘sangrou’ indo derramar na de seu Fulustreco, e por aí vai. Tem aquele rio temporário que vira piscinão e que no local onde antes era estrada a água chega a cobrir arvores com três metros de altura. Pra lá correm muitos, levando a família para um mergulho coletivo e como ninguém é imune, os celulares são direcionados para tirar fotos ou filmar risos e falatório dos que passaram anos tomando banho de caneca enquanto via morrer a criação, estorricada a plantação e depois contemplar as árvores perderem folhas e ficarem qual esqueleto apontando suas garras para os céus numa súplica diária.
Prejuízo de perder a conta. O bode e ovelha perdem peso, e preço. O leite torna-se ouro branco, o gado graúdo tem que ser largado a própria sorte. O frango passa a ser alimentado com o ouro dourado – o milho. E a dona de casa vai passando a faca nas matrizes que um dia deu lucro com ninhadas que faziam a criação inchar pra depois ser vendida na feira trazendo o sofá, a cama, a roupa, o pagamento na farmácia, a viagem pra visitar um parente na cidade grande... Êta, vida que não tem trégua, sempre em viração!
Entra ano e sai ano. O quadro é o mesmo. Enquanto planos mirabolantes são lançados nos gabinetes refrigerados, o sertanejo reconhece que socorro somente do céu, o resto é ‘palavratório’ dos engravatados.
IoneSak 10/01/16