MÁQUINA-FOTOGRÁFICA-HUMANA
Recordei-me agora do meu primeiro dia de aula da disciplina “Teoria do Texto Poético”, na Universidade Federal do Pará. É quase sempre assim que acontecia comigo no início de cada semestre: agigantava-se uma expectativa a fim de saber quem seria o professor e como seria abordado os assuntos das disciplinas.
7h30 da manhã eu já estava em sala de aula aguardando o abrir das cortinas e o início da peça. A aula teria início às 8h, duas vezes por semana, no bloco D, próximo ao portão central e próximo também ao Rio Guamá, que aconchegantemente serpenteava a orla da faculdade, trazendo um frescor de vida meio que bucólica.
8h em ponto, a sala estava quase cheia, a porta abre-se lentamente, meus olhos a fitaram e perceberam todo o seu movimento, que foi apenas um quadrante de um círculo. Ali, naquele quadrante, iluminado pela luz externa do sol, estava uma mulher com vestimenta preta, que combinava com seus cabelos quase longos, que no entanto, contrastava com a pele alva de seu rosto. Tinha ela um sorriso jovial e contagiante, as feições de seu rosto eram finas, nariz alongados, mas muito bem proporcional, os olhos eram bem vivos que chegam a irradiar alegria e vida; era de estatura mediana e dona de um corpo muito bem conservado para sua idade.
“Deve ser esta a professora”, pensei. Era ela mesma!
Ela nem sequer entrou na sala. De dentro do quadrante, desenhado pelo movimento da porta e iluminado pela luz externa do sol, saudou a turma, disse o seu nome e em tom de voz festiva falou: “peguem seus pertences e me acompanhem”.
“Hum...tomara que não seja alguma dinâmica”, resmunguei no meu espírito. Sempre fui meio tímido para realizar esses tipos de atividades interativas. Gosto mesmo das atividades individuais, do tipo tradicional: ler, estudar, responder, escrever, ou no máximo um seminário.
Fui o último a sair de sala, pois se fosse algo que não gostasse tinha como fugir sem ser notado. Ela ia à frente da turma comandando, falando, gesticulado e rindo com alguns alunos, pois sempre em uma turma tem o grupo dos tímidos, geralmente uma minoria, eu no caso fazia parte desse grupo, e o grupo dos extrovertidos. Era como esse último grupo que ela falava.
“Vamos todos lá para a beira do Rio”, disse ela, falando alguns decibéis acima e girando o pescoço para trás a fim de olhar para todos, inclusive para o último, eu é claro! Os olhos dela miraram-me, talvez por eu ser diferente dos demais: camiseta regata, tatuagens pelo braço e por se corpulento; estereótipo um tanto quanto diferente dos demais alunos de letras.
Fomos todos.
Chegamos no gramado próximo ao Rio Guamá. Ela então disse “deixem as bolsas e mochilas no chão ali próximo daquela árvore, tirem os seus sapatos e sintam a grama sob os seus pés”. Quis fugir, mas não dava ela não tirava os de mim. Fui o último a tirar os sapatos. Resmungava de mim para mim mesmo, pensando: “que história é essa! Era só o que faltava!”
Depois fui relaxando e me sentido mais à vontade. Entre várias dinâmicas que foram realizadas teve uma que me chamou a atenção. Ela chamou essa dinâmica de “máquina-fotográfica-humana. Consistia em uma atividade em dupla, no qual um membro da dupla deveria ser a máquina fotográfica, enquanto o outro, deveria ser o fotógrafo. O fotógrafo deveria conduzir a máquina e direcioná-la em um ponto e posição que quisesse fotografar sem dizer a colega-máquina o que estava fotografando. Em seguida deveria revelar a foto.
É lógico que essa revelação deveria ser feita pela máquina fotográfica humana, a saber, pelo colega da dupla que tinha sido a máquina. Esse colega então descrevia o que tinha fotografado, ou seja, o que tinha visto na paisagem, aquilo que mais lhe chamou a atenção no momento em que foi direcionado pelo outro colega.
Em seguida, ou melhor, logo após a revelação da máquina, a professora perguntava para o fotógrafo se realmente era aquilo que ele tinha fotografado. Não me recordo se houve alguma dupla que tanto a revelação da máquina quanto a descrição do fotógrafo coincidiram. Mas creio que não.
Por que estou falando sobre esse assunto, você deve estar se perguntando? Quero me referir ao modo como cada pessoa faz o recorte e a interpretação de maneira diferente de uma mesma realidade vista e vivida por mais de uma pessoa.
Os meus olhos não são os seus olhos, por mais semelhante que sejam; o meu mundo não é o seu mundo, ainda que habitemos o mesmo planeta, mesma região geográfica, mesmo bairro, mesma casa; o meu gosto e modo de degustar algo, não é o seu gosto e modo de degustar, ainda que gostemos do mesmo sabor; o meu modo de amar a alguém e demonstrar esse amor nunca será igual a de outra pessoa, ainda que seja daquela que diz me amar.
Diante desse modo diferente de ver e interpretar a realidade, devemos ter a consciência e a disposição de respeitar a opinião, desejos e atitudes do outro. Assim fazendo, viveremos de um modo melhor, em um mundo tolerante.