Anoitecia. O ar queimava em brasas, incendiando a cidade. O suor inevitável escorria do meu rosto como lava. Estaciono o carro e decido conhecer o tal Paraíso das Panteras, uma boate em Pilares que descobri ao acaso, através de um folheto publicitário empurrado num semáforo fumegante em Inhaúma. Eu precisava me refugiar nos deleites do ar-condicionado, ouvir boa música e me refrescar com qualquer bebida que afastasse o inferno.
Para amenizar a sensação térmica, pedi uma cerveja no primeiro boteco do caminho, quis buscar inspiração. Meus poros ficaram sobrecarregados diante da quantidade de água que minhas glândulas expeliam, eu jorrava como a nascente de um rio caudaloso.
Ao alcançar o endereço em Pilares, encontrei uma casinha rosa-choque, bem simples, poética, quase de sapê, nenhuma indicação visível além de um toldo denunciador. Hesitante, entrei no estabelecimento. Ao passar por uma recepção recoberta por lambri e florida como antessala de velório, me informaram que eu não precisaria pagar entrada, só a consumação. Penetrei com cautela no salão penumbroso, não havia muito movimento, mas fui surpreendido por mulheres emolduradas em biquínis sumários e dançando numa pista decorada com luxúria. Não se tratava de uma boate de happy hour, como imaginei. Eu estava em um bordel.
Como Inês é morta, relaxei e curti. Sentei-me, chamei por um Red Bull que debelasse a sede e por petiscos que saciassem a fome. Fiquei observando o ambiente pouco povoado e avistei uma loira ajeitada que me chamou a atenção. Cerca de 1,60m, falsa magra, pernas grossas, lábios carnudos, cachos dourados e abaixo dos ombros. Graciosa. Fizemos contato visual e mantive o flerte por uns cinco minutos. Ela se aproximou me cumprimentando.
- Oim.
Acredite, leitor sem fé. Assim como você, também senti uma leve entonação do “m” no final do “oi”, mas não dei importância. Afinal, o que é um minúsculo “m” deslocado diante das imensas necessidades da libido?
- Tudo bem? – Devolvo o cumprimento.
- Tundo! – Agora foi um “n” que surgiu no meio de tudo, talvez, cumprindo a regra do “m” somente antes de “p e b.”
- Qual seu nome? – Emendo outra pergunta para garantir o gancho e o papo.
- Anhinhanha. – Sim, foi essa a pronúncia, não pense que é erro de digitação.
- Desculpe, muito barulho. Não entendi o seu nome – apelo por mais uma chance aos ouvidos.
- A-NHI-NHA-NHA – ela separa as sílabas de um jeito singelo, com voz elevada, mas a palavra continuava bizarra.
O que fazer num momento desses? Qual o manual que ensina a nos livramos desse tipo de embaraço? Eu ainda não havia compreendido o nome da menina, no entanto, não tinha coragem de perguntar novamente. Fiz o que permite a educação, elogiei o ininteligível.
- Diferente o seu nome. Bonito. É de origem indígena? – Ah, hipocrisia! Doce hipocrisia, como a vida seria amarga sem as suas sábias intervenções.
- Oncêm anchã? Que nhada! Tão comum nheu nhome!
Germinava o princípio do meu pânico, não conseguia compreender o estranho dialeto nasalado que brotava daqueles lábios tão delicados. Porém, o meu cavalheirismo e a minha esmerada cordialidade me obrigavam a agir como se aquilo fosse a manifestação mais límpida da língua portuguesa.
- In o seum? – Intuí que ela agora desejava saber o meu nome.
Digo um nome qualquer, que não é o meu, alimentando a mania esquizofrênica de não me identificar em locais suspeitos. Invento codinomes, assumo personagens, formas de quebrar a timidez.
- Jã conhenhia a cãsam?
- Como? – Tive que questionar de novo, arriscando-me que ela visse em mim um deficiente auditivo.
- Jã conhenhia a cãsam?
Refleti por alguns segundos para tentar decodificar a frase... Ela me perguntava se eu já conhecia a casa! Uma comoção intensa me tomou ao traduzi-la.
- Não. Primeira vez aqui.
-Tã gostanho?
O que seria “gostanho”? É gostando! É isso!
- É legal. Gostei.
Não precisei de outros elementos para concluir que a loira, além de muito atraente, era fanha. Aceite, incrédulo, a loira era fanha. Não há nessa revelação nenhum preconceito ou crueldade gratuita, apenas um atestado de que nem no paraíso prevalece a perfeição. Esbarrei com uma pantera fanha dentro do Paraíso das Panteras.
Prosseguir naquele diálogo me causava vertigens, era como manter o cérebro ligado a um tradutor simultâneo. Preferi encurtar a agonia e expressei que desejava ficar com ela num local mais reservado. A menina escancarou um sorriso que me fez perdoar todos os tis (~), emes (m) e enes (n) que recheavam sua linguagem quase incompreensível. Aluguei um quarto de pequenas dimensões, dotado do conforto básico, com uma cama estreita e um lavabo. Minha cabeça rodopiava pelo efeito da bebida. Retiradas as duas peças da parca indumentária, o corpo da garota impressionava. Beijos, bolinações. A menina tinha volúpia e tentava me provocar.
- Quenro ser nhua canchõnrra! – Aquele idioleto nasal estava me enlouquecendo, eu prolongava o silêncio com beijos de indulgência.
- Aim, aim... Me faz de nhua canchõnrra.
Você está correto, colega. A menina era fanha também para gemer. Fato que me remetia às súplicas sôfregas de um bichinho espancado, semelhante àquelas onomatopeias que vemos nas revistas em quadrinhos: “caim, caim”. Eu me senti sodomizando o Bidu, o personagem canino da “Turma da Mônica”. A cada “aim” que a moça proferia, saltava das minhas lembranças mais castas a imagem de um Bidu anafrodisíaco.
- Vem gonstonso! – Insistia a loira.
Impossível prosseguir na tentativa lúbrica com um gibi infantil.
Joguei a toalha.
- Você vai me perdoar. Não estou bem. Bebi muito. Estou cansado. – Justificativas de quem ansiava pela fuga.
Paguei a conta, mas continuava intrigado. Não conseguia decifrar o nome da menina. Ousei persistir na pergunta.
- Desculpa, me repete seu nome? Esqueci...
- Ponxãm! Jã esqueceum?! É Anhinhanha. Ficã com meum telefonhe – anotou somente o número, sem o nome, num papelzinho.
- Ah, tá! Não esqueço mais – eu não poderia esquecer algo que continuava criptografado.
Há mistérios para os quais não cabem soluções. Resgatei o meu carro e voltei a sobrevoar o negrume do asfalto de uma Av. Suburbana empalidecida pelas luzes de vapor de mercúrio, um dos palcos onde a vida pulsa caótica, onde qualquer aventura é sempre possível.
Para amenizar a sensação térmica, pedi uma cerveja no primeiro boteco do caminho, quis buscar inspiração. Meus poros ficaram sobrecarregados diante da quantidade de água que minhas glândulas expeliam, eu jorrava como a nascente de um rio caudaloso.
Ao alcançar o endereço em Pilares, encontrei uma casinha rosa-choque, bem simples, poética, quase de sapê, nenhuma indicação visível além de um toldo denunciador. Hesitante, entrei no estabelecimento. Ao passar por uma recepção recoberta por lambri e florida como antessala de velório, me informaram que eu não precisaria pagar entrada, só a consumação. Penetrei com cautela no salão penumbroso, não havia muito movimento, mas fui surpreendido por mulheres emolduradas em biquínis sumários e dançando numa pista decorada com luxúria. Não se tratava de uma boate de happy hour, como imaginei. Eu estava em um bordel.
Como Inês é morta, relaxei e curti. Sentei-me, chamei por um Red Bull que debelasse a sede e por petiscos que saciassem a fome. Fiquei observando o ambiente pouco povoado e avistei uma loira ajeitada que me chamou a atenção. Cerca de 1,60m, falsa magra, pernas grossas, lábios carnudos, cachos dourados e abaixo dos ombros. Graciosa. Fizemos contato visual e mantive o flerte por uns cinco minutos. Ela se aproximou me cumprimentando.
- Oim.
Acredite, leitor sem fé. Assim como você, também senti uma leve entonação do “m” no final do “oi”, mas não dei importância. Afinal, o que é um minúsculo “m” deslocado diante das imensas necessidades da libido?
- Tudo bem? – Devolvo o cumprimento.
- Tundo! – Agora foi um “n” que surgiu no meio de tudo, talvez, cumprindo a regra do “m” somente antes de “p e b.”
- Qual seu nome? – Emendo outra pergunta para garantir o gancho e o papo.
- Anhinhanha. – Sim, foi essa a pronúncia, não pense que é erro de digitação.
- Desculpe, muito barulho. Não entendi o seu nome – apelo por mais uma chance aos ouvidos.
- A-NHI-NHA-NHA – ela separa as sílabas de um jeito singelo, com voz elevada, mas a palavra continuava bizarra.
O que fazer num momento desses? Qual o manual que ensina a nos livramos desse tipo de embaraço? Eu ainda não havia compreendido o nome da menina, no entanto, não tinha coragem de perguntar novamente. Fiz o que permite a educação, elogiei o ininteligível.
- Diferente o seu nome. Bonito. É de origem indígena? – Ah, hipocrisia! Doce hipocrisia, como a vida seria amarga sem as suas sábias intervenções.
- Oncêm anchã? Que nhada! Tão comum nheu nhome!
Germinava o princípio do meu pânico, não conseguia compreender o estranho dialeto nasalado que brotava daqueles lábios tão delicados. Porém, o meu cavalheirismo e a minha esmerada cordialidade me obrigavam a agir como se aquilo fosse a manifestação mais límpida da língua portuguesa.
- In o seum? – Intuí que ela agora desejava saber o meu nome.
Digo um nome qualquer, que não é o meu, alimentando a mania esquizofrênica de não me identificar em locais suspeitos. Invento codinomes, assumo personagens, formas de quebrar a timidez.
- Jã conhenhia a cãsam?
- Como? – Tive que questionar de novo, arriscando-me que ela visse em mim um deficiente auditivo.
- Jã conhenhia a cãsam?
Refleti por alguns segundos para tentar decodificar a frase... Ela me perguntava se eu já conhecia a casa! Uma comoção intensa me tomou ao traduzi-la.
- Não. Primeira vez aqui.
-Tã gostanho?
O que seria “gostanho”? É gostando! É isso!
- É legal. Gostei.
Não precisei de outros elementos para concluir que a loira, além de muito atraente, era fanha. Aceite, incrédulo, a loira era fanha. Não há nessa revelação nenhum preconceito ou crueldade gratuita, apenas um atestado de que nem no paraíso prevalece a perfeição. Esbarrei com uma pantera fanha dentro do Paraíso das Panteras.
Prosseguir naquele diálogo me causava vertigens, era como manter o cérebro ligado a um tradutor simultâneo. Preferi encurtar a agonia e expressei que desejava ficar com ela num local mais reservado. A menina escancarou um sorriso que me fez perdoar todos os tis (~), emes (m) e enes (n) que recheavam sua linguagem quase incompreensível. Aluguei um quarto de pequenas dimensões, dotado do conforto básico, com uma cama estreita e um lavabo. Minha cabeça rodopiava pelo efeito da bebida. Retiradas as duas peças da parca indumentária, o corpo da garota impressionava. Beijos, bolinações. A menina tinha volúpia e tentava me provocar.
- Quenro ser nhua canchõnrra! – Aquele idioleto nasal estava me enlouquecendo, eu prolongava o silêncio com beijos de indulgência.
- Aim, aim... Me faz de nhua canchõnrra.
Você está correto, colega. A menina era fanha também para gemer. Fato que me remetia às súplicas sôfregas de um bichinho espancado, semelhante àquelas onomatopeias que vemos nas revistas em quadrinhos: “caim, caim”. Eu me senti sodomizando o Bidu, o personagem canino da “Turma da Mônica”. A cada “aim” que a moça proferia, saltava das minhas lembranças mais castas a imagem de um Bidu anafrodisíaco.
- Vem gonstonso! – Insistia a loira.
Impossível prosseguir na tentativa lúbrica com um gibi infantil.
Joguei a toalha.
- Você vai me perdoar. Não estou bem. Bebi muito. Estou cansado. – Justificativas de quem ansiava pela fuga.
Paguei a conta, mas continuava intrigado. Não conseguia decifrar o nome da menina. Ousei persistir na pergunta.
- Desculpa, me repete seu nome? Esqueci...
- Ponxãm! Jã esqueceum?! É Anhinhanha. Ficã com meum telefonhe – anotou somente o número, sem o nome, num papelzinho.
- Ah, tá! Não esqueço mais – eu não poderia esquecer algo que continuava criptografado.
Há mistérios para os quais não cabem soluções. Resgatei o meu carro e voltei a sobrevoar o negrume do asfalto de uma Av. Suburbana empalidecida pelas luzes de vapor de mercúrio, um dos palcos onde a vida pulsa caótica, onde qualquer aventura é sempre possível.