CERZIDORA DE PALAVRAS

Acostumou-se a cerzir as palavras, desprendê-las das frases e com os retalhos de significados criar o contexto de sua pseudo-realidade. Antes uma brincadeira, um disfarce infantil para sua travessura... Depois uma máscara agarrada à face, uma armadilha íntima e frágil diante dos ardis das percepções alheias...

Brincou de ser com outros eus e descobriu-se vazia na falsa perspectiva de si. Costurava-se com os versos livres de um poema furtado, com os intervalos do silêncio, com os escorreitos sujeitos e verbos dos romances consagrados e, às vezes, com muito cuidado, bordava-se com as metáforas de uma leitura intimista.

Retalhos de confissões, declarações, evasivas... Encoberta com a colcha de frações expressas de sentimentos e idéias, dispersou-se num horizonte de reticências distante das exclamações e interrogações das orações.

Habituou-se a seduzir, perverter e corromper as palavras, a ser a ausência de foco, o simulacro, o disfarce. Com órfãs palavras-chaves, tentou recriar o mundo em suas fantasias, mas encontrou-se oprimida numa superfície de espelhos com a angústia de não projetar, em seu corpo espelhado, a plena representação das intenções e dos medos.

Costureira de embaralhadas vestes, ela permaneceu agrilhoada aos subterrâneos da ilusão e do engano sem alcançar o horizonte da ficção ou da fábula.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 03/07/2007
Código do texto: T550470