A Louca da Praia


 
O café da manhã seria servido somente às 7 horas.
Costumeiramente acordou às 05:45h mesmo indo dormir de madrugada – a vida de notívago é uma dor de quase desespero e uma delícia de sempre criatividade.
Fez todos os ritos de higiene pessoal com lentidão. Terminado tudo, inclusive a leitura do poema, conferiu as horas. Faltavam 15 eternos minutos para o café.
 
Não suportou a espera no quarto. Foi para o saguão do hotel. Não aguentou o silêncio sonífero do recepcionista que bocejava os hálitos de Morfeu.
Saiu-se à rua para que a espera do primeiro alimento do dia fosse menos cruel.
Olhou o horizonte que ofertava aurora e hélio.
O ar era fresco e trazia todos os benefícios daquela maresia: da tireoide, perfeita poesia.
 
Na calçada oposta que punha limite à areia lá vinha ela à esquerda. Distinguia-se pelos enormes fones de ouvidos, brancos sobressaiam à cabeleira preta. Seus braços dançavam no ar ao ritmo de suas passadas – não se sabe se ao compasso da música que tocava e que era acompanhada por gemidos, murmúrios e solfejos agudos que sua boca emitia aleatoriamente. A figura chamava atenção.
Quando alguém ia a sua contramão ela parava na frente interrompendo ambas as caminhadas e emitia uma sílaba em voz altíssima: não se sabe se era a nota musical em sílaba da letra ou uma nota de um berro qualquer.
O funcionário do hotel que varria a sua calçada exclamou: “Isto é que é abundância de alegria!”
 
No dia seguinte caminhando na orla avistou-se uma pessoa em aparente prática de exercícios físicos. A mulher firmava os antebraços na areia molhada e levantava o corpo em ponta-cabeça. Pensou-se: “ela está fazendo ioga... Veja só!” Observou melhor... “Ela vai quebrar o pescoço de tão mal arranjada posição.”
Aproximando percebeu-se que era a mesma andarilha de braços dançantes com fones do dia anterior.
Sentiu-se necessidade de conversar com alguém sobre isto. Adiantaram-se os passos e ficou paralelo à jovem senhora que também ia à mesma direção.
Aproveitando os risos discretos daquela senhora que ria da cena cômica da louca zen lançou a assertiva: “Ela estava na calçada com enormes fones.” E nem precisou de mais nada para obter informações sobre a figura alienada daquela outra mulher.
A sorridente burguesa classe média disparou rancores:
- Dizem que a louca perdeu os pais e surtou. Agora vive assim. Ela que é feliz! Nós temos que trabalhar para pagar as contas. Ela recebe pensão. Deve ser filha de algum militar ou funcionário do judiciário...
Mulheres com suas invejas e ressentimentos!!!
Distanciamo-nos após metros de passos e observações sem importância.
 Assentei-me na areia para o descanso e banho de sol.
 
Olhei à direita e lá vinha correndo driblando passagem entre os banhistas um enorme ébano de sunga branca e gorro de Papai Noel. Todo brioso mexia com as crianças que se assustavam com sua figura que lembrava mais à personagem do folclore brasileiro
 
...e depois dizem que aquela cidade da Serra da Mantiqueira é que é a Cidade dos Loucos!
 
Veio à memória a canção:
“Dizem que eu sou louco por eu ter um gosto assim...”

Mania de observar as coisas e escrever tudo aquilo que se  vê.
 



 
Leonardo Lisbôa,
Barbacena, 28/12/2015


   
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 08/01/2016
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