O PLANTADOR DE BANANEIRAS
 
Sinceramente, eu teria que ter estudado filosofia no lugar de ciências biológicas. Eu passo o dia todo filosofando.
Filosofei a primeira vez, acho, com oito anos de idade. Estava eu na sala da minha casa vendo tudo de cabeça para baixo. O sofá da sala, por exemplo, o assento estava virado. O que eu via eram aranhinhas tecendo pequenas teias em volta do pé. Elas subiam até o chão e desciam até o fundo do velho sofá.
Achei até um brinquedo meu que eu havia perdido há três meses. Um curimbinho. Para quem não sabe, ou não se lembra, curimbinho é uma bolinha de gude que a gente vai esmerilando até ficar bem pequenininha. Quando alguém teria que acertar a bola de gude da gente, que chamávamos de bolega, a gente trocava a nossa bola de gude usada para tecar pelo curimbinho, dificultando a missão do moleque concorrente. Eu devo ter perdido umas vinte bolegas por ter ficado sem meu curimbinho.
Naquele momento, observando as pequenas tecedeiras fazerem suas pegajosas armadilhas, pensava que juntamente com minha sala, tudo estava de cabeça para baixo, que a minha nota seis na escola tinha virado nove, que a fonte luminosa da pracinha principal da minha cidade estava jorrando água para baixo. As meninas estão de cabeça para baixo, imaginei até suas saias viradas para a gente ver algo mais acima do joelho, que agora virou abaixo do joelho. O mundo estava todo de cabeça para baixo.
Naquele tempo, o Éder, ponta esquerda do meu querido Galo, cobrou uma falta rasteira no canto direito e o locutor da rádio Inconfidência narrou como se tivesse entrado na gaveta, no canto esquerdo, rente à trave. O décimo-terceiro foi o primeiro salário que se recebeu durante um ano. O divórcio, e também os filhos, vieram antes do casamento. A professora explicou que a água evapora, desce para formar nuvens e depois precipita, subindo em forma de chuvas. O jornal da TV mostrou um carro capotado de pneus para baixo.
Foi aí que ouvi a minha mãe me chamar: “Menino, vá até a mercearia comprar três tomates pra fazer a mistura do almoço”.
Parei de plantar bananeira, fiquei em pé e fui até à mercearia fazer o mandado da minha mãe.
Trinta e cinco anos depois, eu estou com uma vontade enorme de voltar a plantar bananeira, para ver se eu vejo o mundo na posição correta.

 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 06/01/2016
Reeditado em 10/10/2016
Código do texto: T5502508
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