Coração Zumbi - for G.M.
É que só você sabe. Só você conhece. Você sabe que eu não consigo escrever nada caso eu não tenha por perto mais que uma folha de papel, um grafite ou uma borracha, tô sempre querendo reservas, minha confusão nunca começa do zero. Sou cheia de manias irritantes, besteiras, risadas, idiotices, mas tenho medo. Tenho medo. Talvez o mundo não tenha me criado. Não tenha me matado o suficiente. O sopro amargo da vida me bate em agonia e despedaça minhas esperanças, e você sabe. Você sabe e ama minha vontade de viver. Mas se hoje estou aqui é porque carrego em mim o peso de uma vida que ninguém quis. O meu peito é como um zumbi mal feito e medroso que quer se extinguir de forma exorbitante e acaba morrendo à pauladas, afogado nas mágoas, eletrocutado, sempre clichê demais.
O que eu tenho pra te dar são dramas exagerados, lágrimas inesperadas e o amor em putrefação que ainda trago em mim. Uma vida sem graça, quase imperceptível... É, de fato o mundo não me criou. Então eu criei meu próprio mundo. Um mundo em destruição, crítica e autopiedade. Um mundo não cercado onde nadam as baleias e os dragões sobrevoam as árvores numa tarde bonita. Eu sou um fracasso, um peso que talvez você não tenha que carregar. Te ofereço não mais que a mim. A menina. A tua menina. A tua mulher. Se você conhecer meus monstros, devolva. Entregue-me à morte mais próxima. Esqueça do amor. Como eu esqueço, brevemente, que te amo. Que me amo. Que um dia amei. O abandono é um medo ao qual eu não consigo superar. Pessoas são excedentes que eu nunca quis manter. São litros de perfume que não cheiram, toneladas de grafite que não riscam. E viver é uma malcriação, já que o mundo não me criou. Mas vou insistindo, penando, alimentando o monstro, mantendo o zumbi vivo. Alimento minha dor com pena. Por pena.
Eu vejo por entre as brechas do mundo, aquele mundo que não me criou, memórias que já foram minhas. Aliás, o mundo me criou sim. Acho que o mundo só não me criou pra isso. O mundo não me criou para escrever metáforas, nem pra gostar de poesia, tampouco pra ser esquecida desse jeito torto, forçado e sem graça. O mundo não me criou pra tornar-me palavra, porque palavra é eterna. Não nasci, não cresci, não mereço ser eterna. E não quero ser eterna.
Vai chegar um dia em que o zumbi terá que descansar, virar pó e tornar-se esquecimento. Nesse dia tu podes apagar as lembranças, rasgar e jogar-me fora. Não permita-me contaminar outros mundos com essa minha melancolia aguda e egóica. Você sabe. Você conhece. Desculpa, amor. Estou só.
NOTA DA AUTORA: Esse texto foi feito a partir de uma inspiração após a leitura de um outro texto que desconheço a autoria.