No fim , comida a gosto
Todas as cozinhas do mundo têm pratos típicos: As pagãs, as judaicas, e também as cristãs. Há quem comemore o Ano Novo com tais comidas: Peru ou bacalhau ao forno... Nunca vi, por aqui, alguém jantar canjica ou empantufar-se de cozido na entrada do ano. Outras casas não dispensam pernil de porco, como esses alimentos dessem sustança ao resto do ano. Os imperadores do Sacro Império, na véspera da coroação, achavam que certos pratos davam energia a um bom reinado. Na tradição germânica, Carlos III se deliciava com leitão cozido com mel da abadia franciscana.
Bons costumes, mas comida apetitosa é aquela pedida pela vontade, não imposta pela festa. Assim "desejo de mulher grávida" exige do marido pitomba até fora de safra... Prefiro bacalhau à carne enxuta do peru ou procuro receitas brasileiras, portuguesas, italianas, “brandadas” parisienses, adocicadas bretãs, cebolas recheadas com bacalhau picado e amêndoas do infante D. Henrique. Famoso é o bacalhau “al ajoarriero das ventas castelhanas”, pedido do sonhador Dom Quixote, feito nos conventos beneditinos, onde se servia esse peixe com acelgas ou repolhos, refogado na carícia e aroma de um suave vinagre, jamais acompanhado com vinho tinto, mas, com branco seco. Os franceses dizem que vinagre anula o sabor do vinho “rouge”. Em vez de ácido acético, um maître francês recomenda, para o Ano Novo, refinado "champagne" em filetes de bacalhau.
Esse mundo dos “gourmets”, dos “cordons bleu” insulta a pátria que passa fome, apesar da "bolsa família", ainda há os que não comem no último ou primeiro dia do ano. Sem tempo novo, indiferentes às mudanças de receitas, de dias, de meses e de ano, não percebem que o ano velho passou. A fome lhes impõe monotonia. Apenas, ouvem cantorias dos banquetes: “Adeus ano velho, feliz ano novo! (...) Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. À pátria injustiçada se repetem o tempo e as promessas de venturoso Ano Novo.