Padre Cícero
                    e a beata Maria



          1. Como um nordestino pai-d´égua - eu sou lá do Ceará - hoje amanheci batendo palmas para o Vaticano de Francisco, e digo por quê.
          2. Vamos lá. Por volta das duas da madrugada, atingido por maldita insônia, liguei a minha Samsung. Uma repórter, com a cara de sono, abriu o telejornal com esta manchete: "A Igreja reconhece o Padre Cícero como sacerdote."
          3. Fiz logo este tímido reparo à notícia que acabara de ouvir: reconhecer o padim como sacerdote? o quê? No meu modesto modo de entender, o Padre Cícero Romão Batista nunca deixou de ser sacerdote.
          4. Ao ser ordenado presbítero, no ano de 1870, o bispo que presidiu sua ordenação, fiel ao que determina a Igreja Católica, lhe disse: "Cícero, Tu es sacerdos in aeternum". Traduzindo: "Cícero, tu és sacerdote para sempre".
          5. Até onde eu sei, Cícero fora, apenas, suspenso de Ordem. Em consequência, proibido de exercer o seu pastoreio e praticar as funções eclesiais dentro e fora de sua paróquia, o Juazeiro do Norte, no Ceará. Mas continuou padre.
          6. "Ah, mas ele foi excomungado!", ouvi de alguém. Não soube dizer se a excomunhão lhe tirava a estola presbiteral, tornando sem efeito a sentença do prelado, considerando-o "sacerdos in aeternum".  
          7. Se ele, punido pelo Vaticano, com a excomunhão ou suspensão de Ordem deixou ou não de ser sacerdote, no momento, pouco interessa. 
          Agora, o importante é sabê-lo reabilitado pela sua Igreja, por decreto pontifical, que acaba de ser divulgado, para a cidade de Roma e para o mundo, para gaudio de seu milhares de devotos espalhados por todo o Brasil.
          8. Há décadas, eu esperava por esta notícia. Ainda criança, início dos anos 1940, ouvi de meus pais as primeiras histórias sobre o padim pade Ciço do Juazeiro e seus milagres. Mas já se discutia se a Igreja teve ou não motivos para suspender de Ordem (ou excomungar?) o  querido e respeitado capelão do cariri cearense.
          9. Noticia-se que o Papa Francisco, ao reabilitar o Padre Cícero, teria "perdoado" o padim!  Pergunto: perdoado? Que crimes teria o Padre Cícero cometido para merecer o perdão da Santa Sé, volvidos tantos anos, desde a sua morte, em 1934?
          10. Não seria o caso do padre perdoar a  Igreja pelas injustiças de que fora alvo, a partir do chamado "milagre do Juazeiro", quando uma hóstia (ou várias), por ele consagrada, teria sangrado na boca da beata Maria de Araújo, sua amiga e fiel devota?
          11. Sobre o Padre Cícero muito já se escreveu. Lembro um dos livros mais completos sobre a vida do polêmico e adorado cura alencarino: Padre Cícero - Poder, Fé e Guerra no Sertão, do belo escritor cearense Lira Neto.
          12. Por isso, não vou me alongar em apreciações sobre a vida do Padre Cícero Romão. Limito-me a manifestar minha alegria pelo seu glorioso retorno ao seio de sua Igreja; de onde, aliás, jamais deveria ter sido expulso.
          13. No momento em que se comemora a reabilitação do Padre Cícero, não me parece justo deixar de recordar a beata Maria de Araújo.
          Padre Cícero - afirmam seus biógrafos - ganhou notoriedade, com a divulgação de seus defeitos e de suas virtudes, após o "milagre do Juazeiro".  Para o escritor Lira Neto, a história do Padre Cícero começou com a história da beata Maria de Araújo.
          Em tempo: não confundi-la com Joana Tertuliana de Jesus, a beata Mocinha, da gostosa toada do sanfoneiro Luiz Gonzaga.
          14. Maria Magdalena do Espirito Santo de Araújo, mulher pobre, preta e muito religiosa, nasceu no Juazeiro do Norte, no dia 23 de maio de 1862. Em Juazeiro do Norte ela morreu em 17 de janeiro de 1914. 
          15. Uma curiosidade: em 1931, seu túmulo foi violado; e os calhordas que o violaram, sumiram com os restos mortais da protagonista do "milagre do Juazeiro". Incrível! 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 31/12/2015
Reeditado em 12/02/2020
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