INSIGNIFICÂNCIA COM DESCOBRIMENTO
(CRÔNICAS ANACRÔNICAS)

 
Eu estou pouco me lixando para a vida. Eu fico vendo a praça, onde as pessoas passam, se cumprimentam, sorriem e ninguém, nem ao menos, me nota sentado ali.
Eu posso chingar quem eu quiser que ninguém vai ralhar comigo. Isso só atesta mesmo a minha insignificância para o mundo, o mundo não está nem aí para mim.
Eu vejo a hipocrisia, era a mesma dos anos oitenta quando a gente não usava cinto de segurança. Lembro que eu e vários de meus colegas de escola agrícola pegávamos carona em cima do caminhão gaiola, desses que carregam bois, e passávamos rentes aos fios de alta tensão, e ninguém para o caminhão. A polícia rodoviária era igual a mim hoje, ninguém via. Até que nos anos noventa é que começaram a falar de surfista ferroviário. E nós, surfista rodoviário dos anos oitenta? Ninguém noticiou.
Era vida de louco. Vida, louca vida, cantava o Lobão que agora virou cordeirinho. E a nossa vontade de namorar. Era uma vontade louca. Mas como eu era feio pra burro, pouca coisa sobrava para mim. Eu acho que continuo feio. Mas que me importa isso agora?
Uma paixão sempre insistia em infestar meu coração. Uma paixão que me fazia sair de casa, ir até a praça, ver a garota passando de lá para cá, de cá para lá, e nunca parar perto de mim. Aí eu perguntava as horas para um amigo e chispa para casa. Minha hora de chegar em casa era até às dez. Isso com dezessete anos. Afinal dezessete anos não são dezoito anos. Mas o que me importa isso agora? Eu já não me preocupo com o tempo. E se eu tivesse chegado às duas da manhã? Que diferença faria? Mas o que eu iria fazer na rua de uma cidade do interior do interior de Minas Gerais até duas da manhã? Só se fosse para prosear com um dos poucos bêbados.
Eu tinha uma angústia estampada na testa durante toda a minha adolescência e a minha juventude. Eu era um azedo feito feijão azedo. Indigesto e rejeitado. Quem não me ferveu na época certa? Quem não me guardou na geladeira? Isso pouco interessa agora que estou, há dois anos, falecido e nem o céu, nem o inferno e nem o purgatório me quis. Eu tenho que ficar rondando por aí. Bom é que ninguém me vê para ficar rindo de mim pelas costas. Hoje é eu que acho graça de todo mundo nessa cidade do interior do interior de Minas Gerais.
 
*****
 
Eu estava sob um sol causticante na praia quando avistei ao longe aqueles navios enormes chegando. Eram as tais de caravelas. Desceram um montão de homens brancos de dentro das embarcações e vieram até a praia me cumprimentar. Esses homens pareciam ser cordiais. Cumprimentei todos, pois tinha eu a pretensão de ser candidato a deputado nas próximas eleições, foi aí que adquiri o ato de cumprimentar todo mundo. Certa vez cheguei, num velório, cumprimentei até o defunto. Engraçado que não tinha mulher com os portugueses. Mas tudo bem, de vez em quando nós homens gostamos de ficar juntos para farrear um pouco.
Perguntaram para mim numa língua estranha, se aqui nessa terra tinha ouro. Peguei meu dicionário e comecei a traduzir o que eles falavam. Era engraçado.
Respondi para eles que aqui não tinha nem ouro e nem prata. Eu não ia entregar o ouro para eles de mão beijada. Se eles acreditaram ou não, não sei. Somente sei que não tiravam o olho do meu colar e dos meus brincos. Sim, eu usava brincos. Herança da minha fase punk. Eu era a cara do rock’n roll.
Depois de contarmos algumas piadas, eles voltaram para as caravelas. Já era domingo, como tempo passou rápido. Começarem a se arrumar para a missa, enquanto eu dei uma passadinha na barraca do Zé das Cabaças para tomar aquele caipi-fruta. Mas antes anotei na minha agenda. Todo dia vinte e dois de abril nós vamos celebrar o dia em que descobrimos os portugueses.
Da série: CRÔNICAS ANACRÔNICAS.
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 31/12/2015
Reeditado em 31/12/2015
Código do texto: T5495960
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