Memórias de uma barata octogenária II

Já travei um diálogo com um homem, o pai de uma menina escandalosa.

Ela gritava como uma louca, dizia:

- Pai, uma barata enorme!

O sujeito chegou com uma havaianas emborrachada preta e muito ódio nos olhos.

Pedi que tivesse um tempo antes de concluir o homicídio. Surpresa, ele esperou. Talvez assombrado por ver uma barata enfrentá-lo.

Disse-lhe:

- A avaliação de sua filha está correta? Tenho as dimensões que ela imagina eu ter? O senhor já viu a quantidade de espaço que ocupo em seu banheiro? E já estava de saída, apenas esperava vocês dormirem e sair por onde entrei. Na maioria das vezes entramos em lugares que não queremos, nossas antenas são muito falhas.

Ele me olhou e viu certa lógica em meus argumentos. Gostou quando eu citei Kafka e teve dó quando contei dos pássaros. Interrogou-me sobre Kafka.

Disse-lhe:

- Li durante uma tarde quando me escondia em outra casa e desde então o escritor checo tinha virado meu herói.

Ele disse que o romantismo estava morrendo e era bonito saber que havia seres que apreciavam a boa literatura. Fizemos um trato, dei-lhe um pedaço de minha asa como prova de que havia matado a "enorme" barata e fugi apressada para casa.

Segui com o coração acelerado, enquanto os homens dormiam sossegadamente.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 29/12/2015
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