Memórias de uma barata octogenária II
Já travei um diálogo com um homem, o pai de uma menina escandalosa.
Ela gritava como uma louca, dizia:
- Pai, uma barata enorme!
O sujeito chegou com uma havaianas emborrachada preta e muito ódio nos olhos.
Pedi que tivesse um tempo antes de concluir o homicídio. Surpresa, ele esperou. Talvez assombrado por ver uma barata enfrentá-lo.
Disse-lhe:
- A avaliação de sua filha está correta? Tenho as dimensões que ela imagina eu ter? O senhor já viu a quantidade de espaço que ocupo em seu banheiro? E já estava de saída, apenas esperava vocês dormirem e sair por onde entrei. Na maioria das vezes entramos em lugares que não queremos, nossas antenas são muito falhas.
Ele me olhou e viu certa lógica em meus argumentos. Gostou quando eu citei Kafka e teve dó quando contei dos pássaros. Interrogou-me sobre Kafka.
Disse-lhe:
- Li durante uma tarde quando me escondia em outra casa e desde então o escritor checo tinha virado meu herói.
Ele disse que o romantismo estava morrendo e era bonito saber que havia seres que apreciavam a boa literatura. Fizemos um trato, dei-lhe um pedaço de minha asa como prova de que havia matado a "enorme" barata e fugi apressada para casa.
Segui com o coração acelerado, enquanto os homens dormiam sossegadamente.