SOMOS O COCÔ DO MUNDO

Escrevo por impulso, por necessidade d’alma, por sentir-me, simultaneamente, como observador e boi de piranha dos acontecimentos cotidianos. Entremeado pela sucessão quase infinita de ocorrências e movimentações, sinto meu íntimo metamorfosear-se, ao sabor de cada momento ou viés consciencial. Devo ressalvar, porém, que a cada segundo de alegria, de puro contentamento, sucedem-se horas, dias de tristeza, incerteza, indignação e desânimo.

Sou religioso, mesmo sendo, formalmente, agnóstico. Isso só signfica que não professo qualquer religião, mantendo uma postura universalista e crente na imanência da divindade.

Desde criança ouço quem defina este mundo como o verdadeiro inferno, completando que o paraíso aguarda homens de bem após a morte. Não posso concordar com tal aberração filosófica, pelo simples fato de que este globo vivo, este belo planeta que Deus nos concedeu, para nele edificarmos nosso caminho existencial, é maravilhoso, lotado de benesses naturais, em sua estrutura física, fauna e flora. Aqui temos ar, água, ventos, chuva, fogo, neve e outros tantos elementos incidentais, que estão à nossa disposição, para bom ou mau uso.

Aí entra o ser humano, o verdadeiro promotor infernal.

Desde o começo dos tempos contaminamos o ambiente deste paraíso com nossas tolas e violentas atitudes. E nessa lista infindável de idiotices entram, desde impertinências pessoais, como egoísmo, prepotência, arrogância, racismo, elitismo e tantos outros maus “ismos” que nos enfeiam a essência, até as empreitas coletivas destrambelhadas, que partidarizam, regram e burocratizam iniciativas que poderiam ser simples, atravancando a vida de todos.

Em todos os cantos do orbe, neste exato momento, há centenas de milhões sofrendo, de fome, de dor, sem acesso aos mais comezinhos direitos, e não me refiro somente aos que estão longe, em meio a lutas ridículas, sem pé nem cabeça, mas também aos que convivem conosco e não podem se dar ao luxo de adoecer, porque não terão direito a um atendimento médico (ao menos não um decente); não podem contar com a justiça, totalmente entregue a um torvelinho de empáfia e tecnocracia, a serviço do capital e disputas ideológicas rasteiras; não têm como se educar, num meio social desgovernado, onde a cultura não vale nada, sem que esteja vinculada a princípios demagógicos, panfletários e institucionais.

Só damos atenção à lei, se ela nos serve, de alguma maneira, para pleitearmos direitos, nunca deveres. Queremos direitos às carradas, queremos e queremos, mas jamais declaramos nossa disponibilidade para com as necessidades da estrutura social. Ao contrário, sempre que podemos, fugimos de qualquer responsabilidade que queiram nos impor ou sugerir, e logo após criticamos os que tentam fazer algo.

Por causa dessa maneira doentia, predatória e particularizante de ser, nada fazemos de relevante, e quando temos a oportunidade de nomear representantes para governar países, estados, municípios, dirigir repartições ou instituições, fazemos conchavos, seguimos cartilhas, buscamos partidários, urdimos estratégias, apenas para alcançar uma vitória qualquer. Aliás, o que sempre importa é a vitória, a derrota do outro, mas nunca a possibilidade de união, de solução conjunta e autêntica, sem defesa de princípios ou agenda política.

Pense bem! Se seu dinheiro mal dá para a alimentação, contas básicas e compromissos inadiáveis, você se arrisca a fazer dívidas? Vai comprar supérfluos? Vai promover festas?

Pessoas medianamente razoáveis sabem evitar o pior, cuidando do pouco que têm.

Pessoas nada razoáveis, em cargos elevados, fazem, exatamente, o oposto.

Para que cortar despesas, evitar desperdício, se tenho dinheiro público nas mãos e com meia dúzia de palavras iludo multidões, fingindo que o uso bem?

Hospitais fecham ou não atendem, escolas estão sucateadas, repartições públicas não atendem os cidadãos, greves se amontoam, a corrupção segue à toda, a justiça se mostra bem complacente e ineficaz, indústrias fecham, o comércio se arrasta, a bandidagem prospera, mas os governantes e seus asseclas miram olimpíadas, viagens, inaugurações e homenagens.

A poluição e o desmazelo destroem mananciais, florestas, povoados inteiros, mas temos os índices oficiais, dizendo que está tudo bem, dentro das normas internacionais.

Como é possível ignorar o que vemos nos noticiários todos os dias?

Como é possível torcer a realidade para não enxergar o óbvio?

E o pior é que tanto quem está lá, quanto quem quer lá chegar não inspira confiança, e só nos resta rezar para que a divindade não permita que nos destruamos, bestamente.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 28/12/2015
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