SABER OU IGNORAR? O QUE GERA MAIS SOFRIMENTO?

Estive lendo outro dia o famoso Fausto de Goethe. O livro versa sobre a história de um médico, o Dr. Fausto que, encontrando-se num estado entediante, após ver que tantos anos debruçados sobre livros e ciências não lhe renderam nada, ou quase nada, e, mesmo cercado de livros da mais alta escala científica em sua casa, sente-se vazio e ignorante, um imprestável.

Naquele estado, aparece-lhe o diabo, chamado de Mefistófeles, e propõe-lhe um pacto. Fausto barganha sua alma por prazeres e realização de todos os seus desejos. Mesmo com uma aparente felicidade a priori, essa "negociação" trouxe a Fausto, como era de se pressupor, muito mais desgraça e sofrimento.

(Não me aprofundarei aqui na obra; deixo, assim, uma isca àqueles que desejam conhecê-la.)

Com isso, quero refletir sobre a nossa pequenez ante a amplidão do universo, e como tão parca é nossa ciência sobre ele. Afinal, o que sabemos consiste em noções meramente superficiais, pequeninos recortes daquilo que nos debruçamos por vários e vários anos de estudos escaldantes. Mesmo que nos dedicássemos integralmente do primeiro ao último dia de vida, ainda seria muito pouco o que abstrairíamos. E isso, muitas vezes, é motivo para nossa angústia.

O que me intriga, de fato, é que, quando nos lançamos à busca do conhecimento das coisas, do mundo, do cosmo, enfim, mais temos noção da nossa pequenez e ignorância, e esse universo torna-se, diante de nós, cada vez mais enigmático, cada vez mais amplo, contrastando com nosso ínfimo saber.

Por outro lado, essa busca constante, esse apego ao conhecimento, à filosofia, também parece-se configurar numa vaidade descuidada, sobre a qual já nos alertava o sábio rei Salomão. "apliquei o meu coração a esquadrinhar, e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar. Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito"(Ecl. 01. 13-14.). Chegamos, portanto a um impasse, isto é, o desejo da busca e a essa vaidade que pode a ela atrelar-se, sendo possível até mesmo incorrer na mesma aventura do nosso Fausto.

Um dos pseudônimos do poeta português Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, era um crítico ferrenho dessa busca pelo saber, pelo conhecer as coisas, pelo pensar sobre a natureza. Num dos seus poemas, ele diz:

“O Mundo não se fez para pensarmos nele /(Pensar é estar doente dos olhos) / Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo/ Eu não tenho filosofia: tenho sentidos.../ Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,/Mas porque a amo, e amo-a por isso”.

À medida que nossos anos de vida passam e obtemos alguma pequena porção de conhecimento em alguma área sobre a qual nos debruçamos, cresce também em nós a noção de como não sabemos nada ainda, e quanto mais saber, mais saberemos que ainda não sabemos, parafraseando Sócrates. Esse é um caminho paradoxal.

Que fazer? Entediar-nos e afligir-nos em busca do tal conhecimento ou aceitar o mundo e amá-lo sem pensar nos porquês que ele nos oferece cotidianamente?

No fim, creio que ambas as posturas (de Fausto e de Caeiro) mesmo com seus pontos criticáveis, tem um fim comum: a busca do bem estar, da felicidade. Era isso que Fausto buscava, e Caeiro com sua passividade contemplativa também. Assim, seja qual caminho seguirmos, a intenção será sentir-nos bem.

Todavia, parece-me que ambos os caminhos não nos leva a um único resultado. Tanto a inércia (a passividade contemplativa, o aceitar o mundo sem questioná-lo) quanto a ação (o inverso da inércia, a busca pelo conhecimento) gerará em nós a alegria, a felicidade da descoberta, ou a tranquilidade ingênua por não saber e, assim, não sermos afligidos com as desgraças do mundo, mas em ambos os casos o sofrimento estará, de uma ou outra forma, presente.