NÃO CANTO MAIS
Não sou cantora, mas gosto de caminhar pelas ruas, cantando, sempre que vou ao serviço, ou mesmo mercado, centro da cidade, médico, etc. Gosto de cantarolar. Às vezes a música em que penso cantar, desconheço a letra, então cantarolo. Por outras, não me vem na mente qualquer música, então canto o Hino Nacional Brasileiro, Hino à Bandeira, Hino da Independência do Brasil, Hino da Marinha (só sei uma parte).
A impressão que eu tinha é que eu cantando enquanto caminhava, dava a entender às pessoas que eu estava feliz, mesmo caminhando muitos quarteirões, a pé, encarando ruas com aclives intensos, carregando sacola, tendo um sol forte batendo na cabeça, indo ao médico ou até enfrentando chuva (abria meu guarda-chuva e continuava cantando).
Minha intenção era contagiar as pessoas com meu gesto. Fazê-las entender que poderiam cantarolar também mesmo com todos os afazeres do dia-a-dia, as preocupações, as ocupações.
Mas acho que meu objetivo não vai ser alcançado. Palpito que não estou agradando. Ao invés de transmitir uma mensagem agradável, de paz e harmonia, estou fazendo o oposto. As pessoas me olham como se me dissessem:
- Olha só aquela lá: caminhando cantando, toda sorridente pelas ruas; com certeza não está desempregada, tem seu din-din para pagar as contas de água, luz, mercado, etc. Assim é fácil!
Ou ainda:
- Hum... Lá vai aquela coroa sorridente... Sempre cantando... Certamente está muito bem de saúde, não tem dor, não tem familiares hospitalizados. Desse jeito é muito fácil! Assim até eu!
Outros:
- Viram essa mulher que passou por nós cantarolando? Na certa está saindo de sua casa. Ela tem uma casa para morar. Garanto que nem paga aluguel. Deve ter casa própria. Acho até pouco! Se fosse comigo? Se eu pudesse deixar meu barraco e tivesse minha casinha para morar? Eu cantaria e dançaria no meio da rua!
É. Está decidido: vou parar de cantar.
É com dor no coração que paro.
Não quero que minha alegria seja conhecida como um deboche às mazelas da vida. Sou feliz porque tive uma família unida que me amou e sempre me ensinaram a preservar e enaltecer esse amor. Sou feliz porque estudei, passei num concurso e tenho meu emprego; sou feliz porque tenho saúde; sou feliz porque não preciso mais pagar aluguel; sou feliz porque tenho minha família e amigos; sou feliz porque amo e sou amada. Devo ficar com a cara sisuda por causa disso? Carrancuda? Não seria ao contrário: se estou com problema, fico de cara emburrada, mas se estou feliz, fico com cara alegre?!?!
Sou pecadora porque sou feliz?
Não seria esse o objetivo: nascer, crescer, estudar, trabalhar, ser feliz, trabalhar mais para ter uma qualidade de vida melhor, oferecendo um conforto para si e seus familiares?
Vocês venceram: não canto mais (mas, vou continuar sendo feliz... muito feliz!).
Simone Possas Fontana
(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,
membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,
membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,
membro da UBE/MS – União Brasileira de Escritores,
autora dos livros MOSAICO, A MULHER QUE RI e PCC,
formada em Letras, contista da Revista Cultura do Mundo,
blog: simonepossasfontana.wordpress.com)