O pulo do gato
Kiko é negro. Pele macia, como se de veludo fosse. Olhos grandes, redondos, expressivos. Brilhantes, como uma pedra preciosa. Não é um Bombaim. Mas, tão belo quanto. Um desses vira qualquer coisa, sem estirpe. Sem pedigree. Sem casta. Sem casa? Nem tanto. Adotou – há anos - o Convento das irmãs claretianas como sua residência oficial. Esperto o gatinho. Ali encontrou tudo de que precisa: carinho, afeto, e , o mais importante: o sagrado. O sagrado? Sim, animais também buscam por algo que os alimente mais do que um simples pedaço de pão e um copo de leite. Diariamente, Kiko está presente na missa. Bom ouvinte, afetuoso, respeitador, nunca traz o celular, nem fica miando ali dentro, buscando chamar a atenção dos fiéis. Afinal, o templo é um lugar sagrado, aonde vamos para estar única e exclusivamente com Deus. Hoje levei um susto, e as irmãzinhas também, mal começara a missa. Chovia torrencialmente, o padre iniciava com a saudação ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, quando, de repente, eis que ele- atrasado, desajeitado, todo molhado - abre o vitral da capelinha , e... puft! com um salto- o pulo do gato - vai direto para a nave central do Santuário. Ali – em silêncio – como se fosse um rito de purificação, lambeu-se da cabeça aos pés, depois ficou quietinho, escutando a palavra de Deus. Ao final da missa, deslocou-se mansa e humildemente, até o altar, onde havia um espaço lindo, decorado com velas e um véu branco, para acolher ao menino-Jesus. Ficou ali, contemplando, reverenciando Jesus, por alguns minutos, depois saiu e aconchegou-se aos pés do Padre. Um animalzinho abençoado, cuidadoso com as coisas de Deus— assim como os que, na manjedoura, aqueceram o pobre menino quando nasceu.
Benvinda Palma