Cinderela Moderna
Em uma noite dessas de verão, quente que só, eu suava bicas enquanto esperava o ônibus para finalmente ir para casa. Havia trabalhado muito, mal podia esperar a hora de deitar na minha amada cama e adormecer.
Sou vendedor de sapatos, e este era o período com maior movimento na loja. Mesmo em tempos de crise, no fim do ano as pessoas ficam em polvorosa para comprar coisas que não necessitam, superfluidades que não acrescentam nada. Uma grande imbecilidade, na minha opinião. Por outro lado, fico contente por elas gastarem, afinal, ganho minha comissão em cima do consumismo delas. Meu chefe, é claro, não sai do meu pé; sempre cobrando que eu venda até minha mãe se necessário, tudo para atingirmos a meta diária, mensal, e, consequentemente, a anual. O pior é que, quando conseguimos atingi-la, não escuto nem um “obrigado” pela dedicação... É o tal do capitalismo selvagem.
Todos os dias é a mesma coisa: pessoas entrando e saindo do estabelecimento, dizendo que só estão “dando uma olhadinha”, ou indo fazer trocas, algo que nós, vendedores, odiamos (não que sejamos preguiçosos ou tenhamos algo contra os clientes, é que não recebemos comissão por isso e acabamos perdendo muito tempo do nosso expediente nessas situações). Sem falar que nessas épocas de calor deparamo-nos com cada chulé de pés suados...melhor nem descrever o odor.
Enfim, vi um ônibus vindo ao longe, na maior rapidez. Logo identifiquei o letreiro luminoso com o nome do bairro onde moro e fiz sinal com o braço. Subi e cumprimentei gentilmente o motorista, o qual parecia estar até mais detonado pelo cansaço que eu. Não foi difícil encontrar um lugar, pois os assentos estavam praticamente vazios, algo aceitável para uma noite de domingo. Sentei-me, encostei a cabeça na janela e segui observando as ruas, quase todas desertas.
Ao passarmos em frente a um bar agitado, onde também havia um ponto de ônibus, uma moça fez sinal e subiu. Ela era extremamente linda, seus grossos lábios, preenchidos com um intenso batom vermelho, chamavam a atenção de todos, e seus cabelos, ruivos, longos e cacheados, esvoaçavam a cada delicado movimento. Apaixonei-me na hora (sempre tive uma queda por mulheres ruivas, mas aquela era A ruiva).
Ela caminhou um pouco desnorteada pelo corredor após girar com dificuldade a catraca e olhou rapidamente para mim ao sentar-se no banco alto, do outro lado de onde eu estava, na minha direção. Meus olhos percorriam seu corpo inteiro, apreciando aquela visão paradisíaca. Ela usava um vestido azul royal, curto e coladinho ao seu corpo, que marcava todas as suas curvas. Em seus pés, sandálias prateadas de salto alto. Aparentava estar voltando de alguma festa. Também estava inquieta, sentava em um banco depois ia para o do lado, passando as mãos nos cabelos a todo instante. Com uma expressão irritada, tirou os sapatos e encostou a cabeça no banco, parecia querer cochilar.
Nessa minha carreira de vendedor de sapatos aprendi a apreciar um belo par de pés, e os dela eram realmente encantadores. Suas unhas estavam pintadas de vermelho, combinando com os lábios; era sedução demais para mim.
Passados uns vinte minutos após a moça entrar no ônibus, ela se levantou com um pouco de dificuldade e fez sinal para o motorista parar. Cambaleante, caminhou até a porta e aguardou seu ponto chegar. Tive certeza de que ela estava embriagada.
Assim que o ônibus parou, notei que uma de suas sandálias ficara embaixo do assento em que ela estava sentada, aquela seria minha oportunidade de puxar assunto! Corri até lá, peguei o calçado e me dirigi à porta, mas a moça já havia descido e a porta estava sendo fechada. Pensei em gritar para o motorista abri-la novamente, quando vi algo que não esperava.
Aquela linda ruiva que eu tanto admirei naqueles minutos estava aos beijos com um rapaz no ponto em que descera. Por certo era seu namorado e a estava esperando... Que inferno!
Naquela noite aprendi que nem toda Cinderela é como nos contos de fada: algumas bebem, e podem já ter seu príncipe encantado...