O ultimo Zé Ninguém - "Os outros: lll"

Já era passado das 4 da manhã, quando Zé, já sem sono, levantou de seu colchão, estava tentando procurar um banheiro no pequeno sobrado semi destruído, quando deu de cara com Bastião:

- Não dormiu homem? perguntou bastião, com olhos semi cerrados e uma voz de quem se aproximava de um mau humor vespertino.

- Quase nada senhor...em verdade durmo muito pouco, já é minha rotina! respondeu Zé com uma voz tranquila.

- Pois bem... e o pé melhorou depois do curativo?

- Acho que melhorou. Retrucou Zé analisando os pés, sem muita certeza.

- Se os pés estão melhores, o rosto ainda é de um mendigo! Não é porque ta quase tudo destruído, que você não tenha que "tá" com uma aparência decente, venha, tome um banho, no banheiro temos alguns baldes de aguá, sabão em pedra e uma banheira, tenho lâmina de barbear, ao menos apare essa barba, ta parecendo o "Che Guevara".

Assim depois de alguns minutos o rapaz reapareceu rejuvenescido. Sentados em um simples banco de madeira, no andar superior do sobradinho, com uma janela entre-aberta, com a luz do dia entrando sorrateiramente pela fresta, estavam Zé e seu novo amigo, o senhor Bastião, dividindo um bule de café, o velho contou ao rapaz o que havia acontecido com o mundo, já que o mesmo não se lembrava, e Zé em silêncio, prestou atenção em cada palavra.

Como era de se esperar um grande conflito eclodiu no oriente médio, dessa vez não era só o petróleo, a falta d'água também entrava no jogo, some isso a crises humanitárias, refugiados da guerra, logo veio a crise na Europa, bolsas despencando, e as primeiras tensão entre Rússia e Estados Unidos, foi quando a China entrou na dança, e pela primeira vez um atentados com armas biológicas aconteceu nos Estados Unidos, que logo acusou a Rússia, não bastasse tudo isso, na América do Sul, Venezuela entrou em conflito com a Colômbia e Argentina, declarando guerra total, e o Brasil acabou na meio, por fim depois de tanta destruição, a Peste Negra, aquela mesma da idade média, havia voltado, uma nova bactéria, muito mais resistente, e que começou a passar de pessoa pra pessoa, pelo ar, começou na China, depois Europa e em pouco tempo, o mundo em guerra havia sido tomado pela doença, o mundo dançava ao som da guitarra da senhora Morte.

Aturdido com tanta informação, Zé permanecia cabisbaixo, não sabia o que pensar, Bastião olhava o garoto de cima, enquanto batia em seu ombro, tentando de alguma forma anima-lo, sabe se lá pelo que, talvez por ainda estar vivo, apesar de não ser um bom troféu pra se por na estante, pensava o rapaz. Foi quando um estrondo cercou o pequeno sobrado e rajadas de metralhadora picotaram o ar a frente dos dois.

- Filhos da Puta voltaram! gritou Bastião enquanto jogava Zé contra o chão, ambos saem se arrastando.

- Quem está fazendo isso? com o coração acelerado questiona Zé.

- Uns delinquentes malditos que vivem tentando entrar aqui!

Maria e Ana já sabiam da rotina, e correm como de costume pro porão.

- Sabe atirar moleque? gritou Bastião, ainda engatinhando até outro comodo do segundo andar.

- Não sei! respondeu Zé gritando abaixado. Bastião abriu um baú com várias armas de fogo e desesperado disse:

- Foda-se! pegue essa! jogando na mão de Zé uma metralhadora 9 mm. Zé a segura e como que fosse um soldado velho de guerra, coloca o pente, engatilha a arma, poe em modo de fogo seletivo corre quase que como instinto pro canto da janela, os passos eram de alguém que sabia muito bem o que estava fazendo, Bastião com olhos de quem não acredita no que vê, pega seu FAL e acompanha o rapaz, identificado os inimigos, inicia-se as primeiras rajadas de contra ataque, em poucos minutos, de uma vez só, três tombam a uma distância de 200 metros, outros 4 vagabundos assustados, fogem feito ratos. Depois do pico de adrenalina, Bastião ainda com pavor nos olhos fita Zé e exclama:

- Porra! Poucas vezes vi alguém empunhar uma arma e atirar tão bem como você meu jovem, da ultima vez que vi algo assim, estava numa trincheira ao lado de um atirador de elite. Zé deu de ombros, sem demonstrar qualquer outra reação disse:

- Será que os outros vão voltar?

- Eles sempre voltam...vamos lá enterrar aqueles vermes, logo, logo começam a feder, ai eu acabo perdendo meu apetite. Bastião pesadamente foi se levantando esticando a coluna, reclamando da tensão que dava, cada vez que isso acontecia, descendo as escadas bateu no piso falso, mandando Maria e Ana saírem do porão, que tudo já havia acabado, enquanto seguia com Zé até os homens tombados do outro lado da cerca improvisada de pedaços de folha de aço com arame farpado, explicou ao jovem que esses caras que atacaram, eram da gangue do Montana, Montana era uma espécie de gangster, cheio de colares de ouro e prata, dente de ouro, que supostamente "comandava" o bairro, cobrava impostos dos moradores em troca de uma "proteção", Bastião fortificou sua casa de tal modo que parecia uma fortaleza, isso protegia ele e sua família, e quando precisava sair nunca deixava a mão muito longe da sua Glock, assim de certa forma ganhou um certo respeito da malandragem da região, e do resto da população que o via como um salvador, mas acabou ganhando um inimigo mortal, Montana. Além de tudo Montana cobiçava a beleza da filha adotada do velho, ao perceber que a morena cor de jambo olhava-o com desprezo passou a odiar com devoção a família do seu Bastião, desde então já se passaram 2 anos.

Enquanto colocavam os corpos em sacos plásticos, foram se aproximando os moradores assustados da pequena vila pós-apocalíptica, Zé se viu perplexo com tanta gente viva, era provavelmente uns 20 cidadãos entre velhos e crianças, um dos velhos, um senhor baixinho, careca olhar fino e triste, bochechas caídas, barrigudo sem uma perna se aproximou de Bastião como que o conhecesse desde pequeno e falou:

- De novo esses vagabundos? Nunca vão desistir?

- É... Seu Carlos, parecem desconhecer a palavra "Não"! Respondeu Bastião com um olhar perdido fitando os corpos.

- Por que você não paga de vez aquele maldito Montana? Questionou o velhinho de uma maneira que parecia mais implorar.

- Não é só o pagamento que ele quer Seu Carlos! Bastião olhou pra trás indicando com os olhos a figura de Ana.

Seu Carlos ofereceu como que de costume a sua carroça pra carregar os corpos até o cemitério, Bastião com a ajuda de Zé colocou os mortos na carroça, pediu pra que Zé ficasse em casa pra proteger as mulheres caso algum louco resolve-se voltar, Zé assentiu com a cabeça, se afastou dos olhares curiosos da vizinhança e caminhou até Ana e Maria que olhavam assustadas da porta.Já se passaram varias horas do acontecido, enquanto um pão era dividido entre os três na sala, Zé havia contado as duas o que tinha acontecido, quando Bastião retornou estava sujo, suado e com pingos de sangue pelo corpo, acompanhado de Tico, e em poucas palavras disse que iria tomar um banho, antes disso, olhou fixamente nos olhos do rapaz e firmemente falou.

- Obrigado rapaz...muito obrigado, você nem imagina o que fez por nós. Zé apenas olhou firmemente nos olhos de Bastião e assentiu com a cabeça em sinal de respeito.

Já era quase outro dia quando Zé arrumava os sapatos que tinha ganhado, analisava os pés e percebia que estavam bons pra caminhar, foi colocando na mochila velha, um pedaço generoso de pão sovado, 5 latas de atum e uma de feijão, fez algumas contas e viu que era o suficiente pra alguns dias de caminhada, foi quando deu de cara com Ana, com olhos lacrimejantes, doces, e dramáticos ela o fitou.

- Você pensa em ir embora?

- Não posso ficar aqui, já conversei com seu pai, e agradeci muito por ter me acolhido, mas tenho que procurar minha mãe, agradeço a você e a dona Maria por confiarem em mim! Exclamou Zé sem olhar nos olhos da morena. De imediato ela respondeu.

- Primeiro ele não é meu pai, é meu Tio e segundo eu vou junto!!

- Não!! Você não vai! aqui você está segura, comigo não, você está louca? Dessa vez já olhando direta e friamente nos olhos da morena.

- Eu posso ir, sou maior de idade, não aguento mais ficar presa aqui, você não entende? - Me sinto uma prisioneira! Neste momento as lagrimas já vertiam do rosto de Ana.

- Não posso lhe ajudar Ana, sinto muito, tenho meu caminho a seguir, é melhor quando não se tem alguém, não ha preocupações!

- Seu egoísta! Não percebe que você mexe comigo? Não vou suportar ficar longe de você! já em prantos Ana deslizava rumo ao chão.

Zé sem esboçar qualquer palavra com um olhar quase que indiferente foi se afastando da moça, que a esta altura já estava sentada no chão, com a cabeça espremida nos joelhos, chorando compulsivamente.

antes de sair Bastião e Maria insistiram que ele ficasse mais um pouco, mas o não de Zé era firme como rocha, em um ultimo ato antes da despedida, Seu Bastião deu-lhe sua Glock.

- Tome fique com ela em forma de agradecimento!

- Senhor, eu não posso! Falou assustado o rapaz. O velho apertou ela na mão dele com um olhar severo e agradecido insistiu.

- Você terá muitos percalços daqui pra frente, você atira muito bem, ela é sua!

Com um tanto de excitação e contida Zé pegou a arma, analisando a pistola sentiu uma euforia, como que um reencontro com alguém que tanto amava, ele não sabia explicar, ganhou também um punhado de balas, e saiu pela porta da frente, abraçando o cachorro e dando adeus aquela família, só não viu Ana, e não queria vê-la, seu coração queimaria se isso acontecesse, no fundo odiaria um adeus dela, a declaração de paixão dela lhe comoveu. Sem olhar pra trás continuou o seu caminho, sentia que logo, logo, reencontraria Bastião, Tico, Maria, e Ana, mau sabia ele que as circunstâncias seriam diferentes.