CENAS DO COTIDIANO

Nelson Rodrigues escrevia pequenos textos que publicava num espaço que ele denominou de “A vida como ela é”. Lá citava os acontecimentos que presenciava no dia-a-dia, criava alguns diálogos sempre consistentes e contava tudo à sua maneira, muitas vezes, sarcástica de ser.

É evidente que não sou e nem tenho pretensão de ser nenhum Nelson Rodrigues, mas fiz esta pequena introdução, pois pretendo seguir sua linha de raciocínio escrevendo também sobre situações que presencio ou vivencio no meu dia-a-dia, muitas vezes difíceis de acreditar.

A primeira situação que vou relatar teve a mim como um dos atores desse circo da vida.

Vamos a ela.

O local é uma clínica dentária, mais voltada para a estética dental do que para o tratamento propriamente dito. Lá estava eu, em uma das salas de espera, aguardando calmamente a minha vez de ser atendido. Como ao chegar não havia ninguém na sala, liguei o ventilador de teto, pois estava um dia muito quente (um daqueles desconfortáveis veranicos). Também havia um aparelho de TV, que mantive desligado, pois a programação vespertina é realmente de doer. Estou para conhecer alguém que se sinta bem indo ao dentista. É o tipo de tratamento que vamos adiando enquanto é possível. E eu lá, meditando, me preparando, aguardando minha vez. Sem mais nem menos, surge um casal, lá pela casa dos 60, e toma posição nas poltronas a 90º em relação a mim. Apenas a mulher me deu boa tarde. O sujeito nem me olhou. De cara, ele ligou a televisão. Não gostei, mas fiquei na minha. A seguir, não satisfeito, pediu para a atendente desligar o ventilador. Nas duas ações, não respeitou minha presença, pois não me consultou sobre o que iria pedir ou fazer. A atendente, é claro – também sem me consultar –, foi lá e... BINGO!!! Desligou o ventilador. Uma sensibilidade extrema. Não me contive... Perguntei a ele: “Com licença, mas o senhor me consultou se podia ligar a TV e mandar desligar o ventilador?” Percebi que ele ficou surpreso com minha indagação inesperada, respondeu-me com irritação, demonstrando assim um certo descontrole emocional. Disse que estava com pneumonia, etc e tal... E eu argumentei que estava com calor e me sentindo mal com isso. Aí ele foi ficando mais nervoso – talvez por estar fazendo papel de bundão na frente da mulher – até que foi convencido pela própria mulher a saírem da sala. Logo em seguida fui chamado para o sacrifício e a dentista me perguntou o que havia acontecido, se nós estávamos estressados. Disse que estava tudo bem, que apenas não gosto de gente folgada e ficou por aí. Esse é o tipo do sujeito que deve ter sido um mandão na vida e, mesmo depois de muitos anos vividos, ainda não aprendeu a ter educação, bons modos e respeito ao próximo. Um ser desprezível que, quanto mais espaço se dá a ele, mais espaçoso fica. Um horror.

Quanto à clínica, acabei desistindo. Além de demorar muito, o tratamento ia ficar muito caro.

E agora, bem baixinho e só aqui entre nós... foi uma chance (ou desculpa???) para adiar a tortura por mais algum tempo.

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 02/07/2007
Reeditado em 31/10/2009
Código do texto: T548776
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