O SOFRIMENTO DOS ANÔNIMOS.

Conhecemos NB há muitos anos atrás, quando iniciávamos nossos primeiros passos no setor de vendas e propaganda junto à classe médica. Não havia longos diálogos, apenas cordiais comprimentos; como vai? Tudo bem?

Na época jamais imaginaríamos, decorridos poucos anos, passaríamos de empregado a empregador, e a partir daí como micro empresário, teríamos a responsabilidade de dirigirmos nossa pequena empresa.

Nesta época pela sua idade, era difícil conseguir um emprego de carteira assinada, razão pela qual se tornou vendedor autônomo, pagando o seu carnê, e prestando serviço de vendas a algumas firmas, sem qualquer vínculo empregatício. Foi nesta circunstância que veio também a trabalhar conosco.

Quando então fomos aos poucos nos inteirando, com alguns detalhes de sua vida, pois todos nos, -embora anônimos. – temos nossas vivências, até mesmo dramas existências que passam despercebidos pela grande maioria; em decorrência da dinâmica do mundo em que vivemos cada um em busca de seus interesses mais imediatos, restritos as suas preocupações, quase sempre sem tempo para houvir os problemas alheios...

Toda sexta-feira vinha almoçar conosco; fazia um acerto de cobrança e eventualmente levava um pedido de urgência para atender mais rapidamente o cliente.

Fora casado, separara-se. Do casamento, teve somente um filho. Não quis estudar o que dificultava encontrar emprego com melhor remuneração. Aliado a este problema, somou um mais grave a dependência ao alcoolismo que o levou a um quadro de depressão, isto colaborava para que não ficasse muito tempo em um emprego, ao se agravarem os problemas; separou-se, do casamento resultou numa filha única.

Nesta sua neta passou a depositar muita esperança em sua vida; sempre ajudava na compra do material escolar e mais algumas eventuais despesas.

Sua mãe, pessoa íntegra, tivera somente um emprego, auxiliar dos serviços do lar, após trinta anos aposentou-se, seus patrões, pediram que continuasse prestando seus valiosos préstimos; aceitou, pois nesta condição teria duplo vencimento, da aposentadoria e recebendo pela continuação de seus serviços.

Quanto ao seu ex-marido, dependia financeiramente da mãe, e do pai, de moradia e das necessidades básicas, pois com o agravamento de seu quadro de saúde, não tinha mais disposição de trabalhar. – Isto com pouco mais de 40 anos! -

Para agravar ainda mais as preocupações deste amigo, recebe a notícia que a neta, - que depositara tantas esperanças futuras. –aos 14 anos engravidara, interrompe os estudos, o futuro promissor cai por terra...

Passou-se mais algum tempo, sua nora, que teve uma vida dedicada ao trabalho, tem um mal súbito e falece. A filha ficou sozinha, teria que dirigir sua própria vida, com a reponsabilide, jovem ainda educar e manter uma criança; até 21 anos teria a pensão da mãe, e depois?

Os anos se passaram, já tinha um pouco mais de 70 anos, nunca se preocupara com sua saúde, mas, por uma coincidência, estava visitando um parente, pessoa idosa, com um difícil quadro de diabetes, quando foi solicitado a Ecco Salva, passado os procedimentos médicos para atender o enfermo, por mera curiosidade pediu a um dos médicos que fizesse a gentileza de medir sua pressão; o médico comentou que o nível de sua pressão estava bem acima dos níveis normais, sugeriu que procurasse urgentemente um posto de saúde, - por morar no centro, seria o posto de saúde Ouvidor Pardinho, que tem por coincidência uma estrutura especializada ao idoso, por falar nisso, o nosso país é extremamente carente da especialidade de geriatria. –

daí para frente, compensou o longo período que não dera atenção a sua saúde.

No complexo quadro da pressão alta e diabetes, passando certo tempo, surgiu um sério problema intestinal, obrigando – o a uma cirurgia de lenta recuperação, onde demoraria bastante para se fazer uma nova cirurgia para que as funções intestinais voltassem a normalidade,

Teve que abandonar totalmente suas atividades ligadas a qualquer tipo de trabalho.

Inúmeras vezes fomos visitá-lo em sua kitinete, - alugada. –levando a ele uma palavra amiga, e que tudo voltaria ao normal e teria sua saúde restabelecida. Minhas filhas, sempre solícitas, encaminhavam tipos de alimentos que pudesse ingerir. Agradecia.

Estava só no final de sua existência, o filho somente lhe trazia problemas. A neta escolhera outros caminhos, talvez até não previsto em sua experiência terrena.

Cada nova existência tem por objetivo a conquistas de valores, que somados a outros já conquistados; acidentes de percursos, quase sempre são escolhas nossas, pois o Criador na Sua Suprema Sabedoria, faculta a cada um a busca da felicidade pessoal e daqueles que compartilham de nossa vivência.

Voltando a nossas Reminiscências; certa ocasião recebemos um telefonema do Hospital das Clínicas, solicitando que levássemos material de higiene pessoal, - pincel, creme de barba e aparelho de barbear. – lá fomos-nos; muitos tecem críticas ao nosso sistema de saúde pública, o que na maioria das vezes é injusta; ele estava acomodado numa enfermaria com poucos leitos, tudo obedecendo a um severo padrão de limpeza; conversamos mais houvíamos; contou com certa mágoa que o filho fora vizitá-lo, disfarçadamente pegou as chaves da kitinete, - que estavam na mesa de cabeceira. – e mais tarde fora informado que o filho lá estivera a pretexto de pegar algumas roupas para o pai; na realidade isto já acontecera em outras ocasiões; guardava pequenos valores para pagar o aluguel e eventuais despesas; algumas vezes os valores haviam sumido. Após o telefonema da portaria do prédio, solicitou que trocassem à fechadura do imóvel, que mais tarde acertaria o valor da despesa...

Foi à última ocasião que o vimos; alguns dias depois faria uma nova cirurgia, na qual viria a falecer.

Seu filho nos comunicou o seu desenlace, nos informando o local do sepultamento; - Cemitério Municipal. – por esta comunicação em cima da hora deixamos de comparecer...

Rogamos a Deus que amenizasse o sofrimento daquela alma, que no final de sua existência terrena, a saúde abalada, dificuldades financeiras, solidão e ausência da família, que poderia ter sido um lenitivo nas horas de amarguras...

Há muitos anos atrás, trocara um automóvel por um terreno, com a expansão da cidade, houve a valorização, - próximo ao Clube Curitibano. –

Quando houve a separação, o vendeu, destinando duas partes do valor a esposa, a parte sua a colocou na poupança; mas, com tantas mudanças econômicas, talvez os valores não fossem corrigidos corretamente, havendo mais perdas do que ganhos. Apesar disto no final de sua existência sempre tirava pequenos valores para completar suas despesas; - o seu salário do INSS caiu para um salário mínimo. – O seu sacrifício pessoal em ter guardado aquele valor, foi deveras útil no final de seus dias...

Quantos dramas que todos os dias têm o seu epílogo, onde os sofrimentos destes anônimos passam completamente despercebidos pela maior parte da sociedade.

Crer que cada um de nos tenha uma vida tão somente, onde ficariam as causas dos sofrimentos humanos? Tudo seria obra do mero acaso?

Quando observamos a Natureza com Leis que as interligam em ciclos de permanentes mudanças, - as quatro estações do ano, por exemplo. – tudo nos a crer que há um mecanismo Inteligente, que a tudo Comanda; com certeza isto também se estende aos seres humanos, numa complexidade que em parte fogem ao nosso entendimento; mas, que um dia certamente farão parte de nossa total compreensão; pois mesmo na dor e os sofrimentos morais, que a muitos envolvem, deverá ter sua razão de ser, pois se assim não o fosse, qual seria o real objetivo de nossas vidas?

Ficamos por aqui em nossas Reminiscências de hoje...

Curitiba, 15 de setembro de 2009 – Saul Reminiscências Hoje é 21 de dezembro de 2015

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Walmor Zimerman
Enviado por Walmor Zimerman em 21/12/2015
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