O ultimo Zé Ninguém - "Os outros: ll"
...A presença dela o incomodava, de alguma forma cada vez que seus olhos se cruzavam, ele sentia uma espécie de medo, medo talvez de ser subjugado, afinal, com olhos tão escuros, vivos e brilhantes, no meio de toda aquela tristeza mórbida de um fim de mundo, era no minimo assustador, como alguém ainda tinha tanta vida e beleza em um lugar como este? ele indagava. O velho Bastião notou além do silêncio, os olhares cruzados dos jovens durante o pequeno jantar que sua mulher servia, e rasgou o silêncio com com sua voz rouca e violenta.
- Bem..então rapaz como que estão as coisas lá "pra aquelas banda do sul?"
- Senhor...bem, como eu disse, além de cadáveres e destruição...não tem mais nada a se contar! Respondeu de maneira direta e ríspida.
Dona Maria também resolveu tagarelar:
- E como você sobreviveu? se escondeu esse tempo todo, feito um rato?
- Mulher olha a educação! Faz o favor? Advertiu Bastião.
- Tudo bem ... eu não me escondi... pelo menos eu acho, não lembro de muita coisa, apenas acordei em um quarto de hospital, um cheiro insuportável de morte, e dali fui me arrastando pelos escombros, gritando por ajuda, mas não obtive resposta alguma...Antes disso... não sei, minha memoria é falha.
Nesse instante rompe o silêncio com uma voz de anjo, a menina de olhos escuros como a noite , pele cor de jambo, cabelos negros, longos e encaracolados de uma beleza nunca antes vista.
- Perdeu a memória? não lembra do inferno que todo mundo viveu, e ainda vive nessa merda de país? que conveniente, quisera eu ter essa sorte!
- Ana! você também? tá desconfiando do rapaz? deixa o rapaz terminar de contar? Aos gritos falou Bastião.
- Acho que não foi uma escolha minha, tenho vaga lembrança do passado, de alguns amigos, de minha mãe, sonho com seu rosto, sinto uma saudade muito forte dela, sem ao menos lembrar direito de sua voz, ou do que ocorreu, do porque eu ainda estar vivo...Desde que sai do Hospital fiquei tentando lembrar onde moro, pra quem sabe reencontra-la viva, mas já andei por tanta parte, que estou perdendo essa esperança. O silêncio voltou a mesa de jantar, olhares tristes se cruzavam. foi quando Maria tornou a falar, dessa vez com uma voz suavizada.
- Filho...deve estar cansado, vou arrumar um colchão pra você dormir, venha Ana me ajude a preparar as camas.
- Está maldita guerra destruiu tudo, mataram a esperança da humanidade, o que sobrou hoje são só os cacos da raça humana, somos os que ficaram pra trás, como testemunhas da merda que causamos, rapaz eu sei o que você está sentindo, seu de sua dor, o que for preciso, eu lhe ajudarei. Bravejando Bastião.
Ao termino do jantar, que não era nada além de 2 fatias de pão sovado, pate de carne e um copo de água fervida pra cada um, Zé foi pra fora olhar as estrelas ao lado do cão Tico, que a essa altura como todo bom cachorro, já considerava Zé como membro da família. sentando acariciando o cão, Zé percebe alguém se aproximar, não poderia ser Bastião, pois o mesmo estava na latrina do lado de fora eliminado a pouca refeição do dia. Era Ana, com um olhar sério de arrependimento sentou ao lado dos dois, entre ela e Zé estava o cão que logo após cumprimentar a moça com um balançar de rabo, saiu pela noite como qualquer cão faz, deixando os jovens sentados quase que encostados. então ela quebra o silêncio.
- Me desculpa! falei aquilo sem pensar direito. Falou Ana com os olhos fixos no chão empoeirado.
- É...deixa pra lá, já estou satisfeito em saber que ainda existem pessoas vivas e não parecem dispostas a comer meu cérebro! Retrucou ele com um sorriso sem graça com o olho fixo no chão. Ela soltou um grande riso.
- Qual é? achava que o mundo seria dominado por zumbis? Debochou dele, dando um pequeno soquinho em seu ombro. ele retribuiu o sorriso.
- Quem sabe! eu estava sozinho até agora, até então tinha visto vivos, só umas baratas, alguns ratos e nada mais, poderia pensar em qualquer coisa, afinal eu era o único na Terra, eu tinha esse direito.
- Quanta pretensão, deixa eu te desanimar, você não é o único na Terra "senhor". Tem muita gente por aí, e nenhuma é zumbi, pelo menos eu acho. Nesse momento ambos já se olhavam novamente, mas Zé baixou os olhos novamente de maneira penosa.
- Isso me deixa de certa forma esperançoso , quem sabe minha mãe tenha vindo pra cá? Indagou ele. Ana o olhou fixamente de maneira séria.
- Vou lhe ajudar a procura-lá, sinto que você é muito angustiado, me vejo em sua pele, sem memória, sozinho, isso me incomoda. Ele a olhou fixamente de maneira cética.
- Por que faria isso? você tem sua família aqui, tem comida, e parece estar em segurança, se existem outras pessoas por ai, com certeza existem as más, não, você ficará fora disso, é perigoso!
- O Tio Bastião e a Maria são um doce pra mim, mas eu quero uma aventura, e o destino colocou você aqui, então eu aceito a missão! retrucou ela.
- Missão? qual é guria, você é louca? não sou sua missão, não quero uma tagarela do meu lado me atrasando! Falou Zé de maneira arrogante.
- Seu idiota! ficou tanto tempo sem falar com "gente" que não sabe mais como tratar uma dama, seu idiota, dá licença que eu vou dormir, estupido, grosso! Saiu Ana pisando pesado no chão. Neste momento Bastião sai da privada assustado.
- Mas que bagunça é essa?
-Desculpe senhor sua filha falou algumas besteiras, apenas respondi.
- Ana é assim impulsiva mesmo, não sei o que ela falou, mas imagino, a propósito ela não é minha filha, seus pais morreram a pouca mais de 4 anos vitimas da Peste, eu e Maria somos seus Tios, e desde então somos sua unica família, e digo que não é fácil protege-la dos perigos. Um instante de silêncio pairou no ar entre os dois.
-Bem Zé está tarde, vou levantar as placas de aço, agora que você está aqui, pode me ajudar a levanta-las, estou ficando velho de mais pra isso, esse lugar aqui é bem perigoso a noite, me ajude e vamos poder dormir em paz essa noite, não se incomode com os barulhos de tiros e bombas durante a noite, a muitas gangues por essas bandas e a essa hora, elas começam as confusões. Tudo aquilo deixou Zé sem palavras, enquanto dormia escutando toda a bagunça da noite, vinham vários pensamentos sobre esse dia, sua mãe, o mundo, e principalmente Ana, seria difícil dormir hoje, no fundo Zé estava ainda mais angustiado, e de certa forma arrependido de ter conhecido essa família, Zé sentia o gosto amargo da esperança e o futuro se tornara ainda mais obscuro.