MUITO PRAZER, PAULO MIORIM
Muito prazer, Paulo Miorim
Sou um cidadão de uma região chamada Baixada Santista, que engloba as cidades do litoral sul do estado de São Paulo. Nasci numa casa da Praça Barão do Rio Branco, ponto central da cidade de São Vicente. Eram onze horas da noite e, nos trabalhos de parto, minha mãe ouvia a música de encerramento da última sessão do circo instalado no terreno em frente onde morávamos(terreno onde hoje fica a loja Casas Bahia). Ela sempre contava isso e talvez daí venha meu fascínio pelo extraordinário, pelo humor, pela alegria e, lógico, por música. Nascer com música de circo é um privilégio.
Meu pai era militar e, desde criança, mudanças são uma constante em minha vida. Vivi meus primeiros dois anos na Fortaleza de Itaipú, Praia Grande. Os oficiais tinham direito a morar em casa do Exército, dentro do terreno onde fica o Forte. Eram casas amplas, bem construídas, com enormes quintais, muito confortáveis. Pelo menos essas são lembranças que tenho dessas casas e não quero modificar essa visão de criança que trago até hoje. Lembro que moramos em Santa Maria, Rio Grande do Sul, voltamos ao Forte e em seguida meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro e fez um curso de motomecanização, especializado em veículos militares. Nós moramos na Freguesia, em Jacarepaguá. A cidade já era grande e minha mãe desenvolveu uma espécie de pânico, tal era a preocupação com meu pai, que pegava várias conduções para chegar ao trabalho. Todos os dias à tarde ela ficava a espera do meu pai, apavorada para saber se havia noticia de algum acidente. Lembro de uma grande chuva de granizo que forrou nossa rua com uma camada bem grossa de pelotas de gelo, da descoberta de uma fruta chamada cajámanga, e dos primeiros jogos de futebol.
Nascido em dezembro de 1945, logo após a 2ª Guerra Mundial, era o terceiro filho e fui caçula até os 05 anos. Em 1951, nasceu minha irmã Maria Luiza, com síndrome de Down. Lembro bem do dia em que a Luiza nasceu. Estava na quadra jogando futebol e vi minha mãe passar dentro de uma van do Exército a acenar. Sabia que ia ter um novo membro na família.
Concluído o curso, voltamos para o Forte de Itaipú. Era uma vida maravilhosa para uma criança, meu pai pescava grandes garoupas, sargos (de beiço e de dente), peixes galo e sempre tínhamos em nossa casa um bom estoque. Não havia geladeira e conservávamos o pescado no sal. Mais uma transferência, desta vez para Santo ângelo No Rio Grande do Sul e, 4 anos depois, com a aposentadoria de meu pai, em 1955 viemos morar em São Vicente. É nessa época que começam minhas lembranças de uma cidade que não existe mais, que era tão nossa e hoje se transformou num frenético centro de consumismo. Depois de uma estada de seis meses em casa de meus avós maternos para frequentar o terceiro ano primário, vim morar com meus pais no bairro do Catiapoã e, poucos meses depois, mudamos para um casarão que havia na esquina das ruas XV de Novembro e Benjamin Constant, centro de São Vicente. O maior clube da cidade fazia fundos com nossa casa. Era O Clube de Regatas Tumiarú, que já , naquela época tinha uma notável tradição em várias modalidades esportivas, sendo que seu maior orgulho era ter revelado Wlamir Marques, um dos maiores jogadores de basquete da história. O espaço do clube era notável, a séde social compunha-se de um salão de baile na parte superior e, no térreo, havia um bar, sala de carteado, uma pista de dança. Mas o que atraía a garotada eram as duas quadras de basquete onde passávamos o dia jogando “21” um jogo que ocupa meia quadra e pode ser jogada por equipes de um a três jogadores. Assistíamos aos jogos de basquete masculino e feminino, defutebol de salão e de volei do campeonato santista, torcendo pelo Tumiarú, sentados em umas arquibancadas de madeira. , Essa convivência com muitos garotos foi muito rica e até hoje conservo alguns desses amigos, e lembro de outros que não sei que destinos tomaram com muita saudades e carinho. Alguns já não se encontram entre nós, mas deixaram boas lembranças.
Paulo Miorim