Não se banha duas vezes no mesmo rio
Eu me perguntava agora o que iria fazer amanhã, quando sair do tempo interior para o espaço externo. Livres, os meus pé poderão novamente andar, correr, livres de uma bota de gesso que irrepreensivelmente me aprisionou durante meses. Como o tempo é subjetivo, circunstancial, anímico. Mensurá-lo é tolice. Somente o compreendemos bem quando o ligamos aos sentimentos de prazer ou dor, liberdade ou limitação.
Lembrei-me do poema Instantes, de Jorge Luís Borges:
"Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, suburia mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feito a vida; só de momentos - não perca-os agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanhaceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo".
Ou, quem sabe, eu caminharia com Zélia Castilho Rogedo, em litania pelo caminho: Senhor, que nossa pressa seja na tua direção: sermos mais e, não, termo mais! Seremos mais afáveis, atentos, ternos, fraternos... Que as pressões do mundo não nos façam mergulhar no consumo desenfreado e indiferente à miseria de tanto. Que a dor moral ou física de meu irmão seja um convite irrecusável a uma presença solidária. Que a injustiça doa em mim e me convoque a uma participação efetiva.
Roberto Gonçalves
Escritor
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