Ser hipócrita

Eu não queria escrever sobre este tema. Posso afirmar que até me esforcei para que a minha vontade prevalecesse. Tentei desviar o pensamento, mas este assunto continuava se fazendo perceber como um letreiro luminoso voltado para os meus olhos. Não queria ler, olhava para outro lado, porém ele permanecia ali, piscando para mim. Fechava os olhos e as inúmeras cores, convidavam-me à leitura.

Por fim, me rendi. Fazer o quê? Volto então ao meu passado. Embora eu já tenha dobrado o morro da linha da minha vida, ainda não posso dizer que na altura dos tempos vividos, possa enxergar muita coisa. Porém já consigo olhar com um certo distanciamento os inúmeros fatos acontecidos. Dentre eles, vou falar de quando a palavra hipocrisia cruzou o meu caminho. Naturalmente, eu já a conhecia. Qual cristão não ouviu a citação de Jesus sobre essa palavra? “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão (Mt.23-27)”.

Ser hipócrita para mim, era algo muito grave. Era muito pior que ser fingido. Talvez por me sentir tão incomodada com as pessoas dissimuladas, eu tenha me transformado em um cão farejador, com a percepção bem apurada.

Lembro-me de um fato acontecido quando eu estava quase concluindo o segundo grau. Acho que foi naquela época, que entendi o significado de ser hipócrita. Aquilo me marcou tanto que me inspirou um texto. Depois de escrito, eu o li várias vezes até que ficasse perfeito e, com uma leitura bem postada, eu me vali de um gravador. Não sabia o porquê de estar fazendo aquilo, mas descobri alguns dias depois, ao receber a visita de umas colegas. Entre elas se encontrava a que havia me inspirado. Aproveitei para convidá-las para ouvir a minha gravação. Foi bem visível a transformação que se operou na referida colega. À medida que a gravação se desenvolvia, o seu desapontamento se acentuava. As outras, ao contrário, lançavam-me olhares de aprovação. Antes da conclusão da leitura, a minha musa inspiradora levantou-se e se despediu, alegando um motivo qualquer. Nunca mais voltou a minha casa. Pouco depois, mudou-se da cidade e não mais a vi.

Agora, quando já atingi o topo da escalada da minha vida e estou descendo, a hipocrisia veio me atormentar de maneira direta. Aliás eu sempre enxergava o germe dela, devorando a sociedade com uma clareza translúcida. Reconheço que há alguns ambientes mais propícios para ele se desenvolver e, os hipócritas, sabem aproveitar dessa proteção. Infelizmente nos ambientes mais sagrados, muitos se escondem. E lá está aquela pessoa na fila da comunhão para receber Jesus Eucarístico. Não é necessário dizer como isso é dolorido, pois elas levam ao engano as pessoas de boa fé.

Dou uma conferida no dicionário para saber qual é de fato a definição de hipocrisia: “Uma pessoa hipócrita é aquela que finge ser o que não é, seja através de religião, virtudes, características, ideias, sentimentos, e etc”, “um ato hipócrita é quando alguém critica uma atitude de alguém, quando ela faz exatamente a mesma coisa, ou até pior”.

Pobre de quem cai na armadilha desses enganadores, pisa em falso e dá “a cara a tapa”, assumindo o seu erro diante da sociedade. Defronte deste prato cheio, os hipócritas se multiplicam. Se apresentam sem nenhuma mácula, perfeitos, acima de qualquer suspeita. Mas lá na calada da noite, protegidos pela escuridão, não precisam nem de lua cheia, para se transformarem nas pessoas que de fato são. E como isso já é uma prática constante para eles, ficam bem treinados, transformando-se em profissionais do engano. O prêmio que recebem é ter a sociedade, referenciando-os como exemplo.

Parece que a norma da sociedade é essa. Pode-se fazer tudo, o que não é permitido é deixar que as pessoas descubram. Se acaso são descobertos, escondem-se por detrás de mentiras descaradas. Negam, com veemência. Estamos vendo o tempo todo o espetáculo de falsidade nas telas da T.V. em que os políticos, diante de provas contundentes, negam tudo.

Ao acabar de escrever este texto, fico pensando que não verei o rosto dos que se identificaram com ele, como aconteceu na época em que escrevi sobre o mesmo tema. Mas a verdade é que, pela segunda vez, senti na pele o significado das palavras duras que Jesus usou para falar dos hipócritas.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 19/12/2015
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