Obediência

Eles nos mandam obedecer pacificamente, mansos, tremendo. Enquanto outros ordenam: Entregue! Faça! Passe!

Não se revolte, não grite. Paciência. Confie, dias melhores virão. A vingança é divina. Mas compre, vista, beba e seja feliz com a vida planificada em anos financiados.

Doe, ajude, desista do egoísmo. Seja um auxílio ao próximo. Mas antes seja também pecador, reconheça sua mesquinhez, salde sua dívida de sangue. Pague a quem lhe emprestou a vida. A sua vida não é sua.

E depois obedeça novamente. Vote, sirva, recolha os impostos, pague as taxas, contribua. Mas antes trabalhe e gaste. Case, crie uma prole, eduque-a, seja um exemplo e abasteça a dispensa. Troque de carro.

E bem antes, estude. Busque entrevistas, passe no concurso, segure o emprego. Obedeça ao patrão, ao chefe. Mas não esqueça de entregar tudo. Não reaja, sua vida vale mais que qualquer bem material adquirido em meses maçantes, em dias repetidos de gestos vãos. Ainda estava pagando. Mas restou-me a vida para comprar novamente o produto do momento. Assim a economia flui, comprando a cada novo roubo. Quando me ordenarem novamente: passa! Eu perderei sem reclamar, posso adquirir outros e outros.

Bem comportado, sem protestar, firme em ser pacífico, ordeiro; mesmo diante de mim estourando a rebelião de corrupções, abusos e desmandos. É melhor calar, assim me ordena o bom senso e todos que se acostumaram a obedecer.

E depois de tanto comprar, de tantas prestações pagas posso também doar ao próximo para ser acrescido na terra. Mas nenhum bem doado se compara ao que receberei no céu. Lá sim, lá está meu galardão. Então é melhor pedir um tiro logo, assim encurta o caminho. Morrer na saída do trabalho deve contar pontos na colocação celeste.

Já que foste roubado em tudo e por todos e não reagiste, és um santo. Pronto estás, suportaste tudo. Nunca desobedeceste ao que te mandaram. Fizeste exatamente como os jornais diziam, como as escrituras mandaram, como a polícia exigia e colaboraste com tudo que há na face da terra que ordena.

Não reaja, cordeirinho, a faça ao pescoço aceita que te queremos bem.

O Encoberto
Enviado por Samantha de Sousa em 17/12/2015
Código do texto: T5482903
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.