Assim ou...nem tanto 24
A Indiferença
“ O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença”, escreveu Érico Veríssimo. Tal como ele, também eu acho que sei muito sobre o amor, a paixão e a alma. Aprendi tudo comigo mesmo logo a partir dos primeiros ensaios do afeto. A antevisão de como seria, a construção das falas, a procura desesperada de uma naturalidade tão falsa como era autêntica a vontade de amar posicionaram-me para viver todas as surpresas. Depois disso a frustração do que não acontecia. Estive muito tempo sem existir vivendo o meu vulcão sem que ninguém visse. Afogava-me de rubor e vergonha, de sons bitonais, de incapacidade de coordenar os braços e pernas que cresceram muito em pouco tempo. A acne, a barba rala, o medo de falhar. A vontade de seguir pulsões íntimas e sair a fecundar o mundo fascinante mas hostil. A seguir aprendi quase tudo em contactos fortuitos, a coberto da noite e com a impunidade que nos dá fazer coisas que ninguém vê, comenta ou critica. Cresci assim, devagar, na contravenção dos preceitos e à margem de todas as regras. Quando me apaixonei de verdade ainda era o tal invisível vulcão que me cobrava atos mas sem resposta possível. Nem eu me mostrava nem o meu amor me via e quando, enfim, os nossos olhos se encontraram riu do meu fogo. Que acabasse de crescer, disse. E passou a não contar comigo para, rigorosamente, nada. Olhava-me sem ver, ignorava as minhas palavras e matava-me no seu coração. A indiferença é que me transformou em pedra para, paradoxalmente, sobreviver.