Nenhum Olhar

Nenhum olhar me foi suficiente para quebrar as arestas do meu tédio. Estou farto e iludido com certas mudanças de hábitos. Há uma melancolia revelada nos rostos dos jovens, nas faces adultas, em todos que projetam seus olhares somente no âmago de suas necessidades.

Decididas a dedicarem a maior parte do tempo aos excessivos exercícios dos seus egos deixam de cumprir deveres morais para com outras pessoas. Ausentes estão os gentis cumprimentos, os acenos sutis, os meneios de cabeça atenciosos, os olhares diretos, os sorrisos sinceros, tudo é computado no esquecimento.

Encosto-me numa dessas esquinas da cidade grande, num batente de porta de bar e me ponho a observar o quanto as pessoas se transformaram. Imagino-as encapsuladas cada qual em seu perfil ideal caminhando por ruas sem nomes e deslocando-se incógnitas.

A tecnologia trabalha tanto a favor quanto contra os seus usuários. Pode-se criar seu próprio mundo e pode ser que ele transite entre o maravilhoso e o assustador.

Noto que quase todos portam algum objeto eletrônico. Celulares são maioria. Esses aparelhos permitem conexões sem presença física e fantasio, assim sendo, vários mundos particulares se movendo em todas as direções. Reparo nas pessoas falando sem parar de assuntos que não me dizem respeito, conversando com outrem em tom de voz alto, com atitudes indiferentes com quem lhes estão próximas. Obrigam-nas a ouvi-las.

Ligam e desligam. Ligá-los é desligar-se do mundo exterior, desligá-los é ligar-se a ele. Ouvem-se músicas para fugirem dos antipáticos barulhos urbanos como os ruídos de freios, de motores, dos caminhões de entrega e de portas batendo. Abrigam-se em vídeos e sons para escapar dos estrépitos de obras, dos vozerios e dos estardalhaços. Ouvem enquanto se têm que atravessar as distâncias contidas em suas obrigações. Não se conversa com quem está ao lado sentado percorrendo o mesmo espaço, seja por terra, ar ou mar. Numa barca que cruza a baía, na ponte aérea, no metrô, no ônibus, o que se quer é que o tempo passe rápido. Vão de um lado ao outro de suas vidas conversando, lendo, jogando, assistindo e ouvindo. Executam esse conjunto muitas vezes a pé.

Saio da porta do bar e me dirijo até um Café para que possa me sentar. O tédio, inclusive, merece descanso. No Café cada qual em seu mundo focado. Um sequer se levanta para pedir sua bebida. Faz tudo pelo celular, o pedido e o pagamento. Vai embora sem ver nem falar com ninguém. Um bando de gente se utilizando de códigos, senhas, de olhos vidrados. Congeladas as expressões faciais. Corpos imóveis, caras imóveis e ao mesmo tempo uma mobilidade crédula.

Milhões de dados trafegam freneticamente pelas redes, em segundos viajam empacotados levando e trazendo toda a sorte de relevâncias.

Com a rotina nos acostumamos. Surgem novas gírias e jargões, neologismos inevitáveis. Considero essas transformações de comportamentos guinadas da vida. Têm-se nas mãos poderes infinitos de combinações que se deslizam num pêndulo de possibilidades. Têm-se acesso ao que antes não se imaginava.

Uns convertem-se em escravos tornando-se usuários dependentes. Outros, utilizam-se do meio como meio apenas. Chamam de uso racional à medida que se impõem à máquina.

Saio do Café e volto pra casa. Ponho-me a escrever sobre o enfado, o vazio que sinto em alguns momentos ao largo dos dias. Mais tarde retornarei às ruas, mas dessa vez para olhar as paisagens.

Paulo Henrique Frias
Enviado por Paulo Henrique Frias em 16/12/2015
Código do texto: T5482456
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