Uma boa ouvinte

Ela com seu jeito um tanto explosivo, era uma boa ouvinte. Ouvia desde infortúnios, até as histórias mais bregas de amor, e cada história mexiam um pouco com seu interior. Ela queria durante muito tempo só falar, falar pra um alguém qualquer sobre os seus piores momentos e sobre suas melhores fases, mas muitos não eram bons ouvintes.

Ela se irritava facilmente e nunca foi protagonista de um romance, mas de vários dramas, os quais por vezes não tinham personagens bons o suficiente para interpretar uma alma cheia, uma mente paranormal, e um coração embriagado.

Certo dia, daqueles em que a gente viaja, ela disse a um alguém que sentia vontade encontrar um campo e sair correndo, sim correndo. Mas o olhar na face deste, já expressava nitidamente que não compreendia essa vontade, e que talvez faltassem alguns parafusos na cachola dela. Quando ela ficava contente por sentir cheiro de chuva e então imaginar o seu futuro apartamento no centro da cidade agitada, sentada numa poltrona daquelas retros, com as pernas pra cima e lendo um livro de titulo contemporâneo, receitavam a ela um psicólogo, ela fazia aquela cara de “Você está me dizendo que não acredita nas coisas que planejo? Paga pra ver”, Mas ela sempre soube que seria bom conversar com algum especialista de mentes fervorosas e agitadas, e que talvez pudesse contar a ele que ela é rude, mas que ama os detalhes de uma vida cheia de figurantes acostumados a puxarem a cortina do teatro da vida.

Ela não procurou esse especialista, pelo menos não agora, ao invés disso ela saiu ás ruas de São Paulo com uma bolsa grande, com alguns papeis lá dentro, amava fazer anotações , já que o papel na maioria das vezes era seu único ouvinte. Mas ela ouvia tanto as pessoas, sempre gostou de solucionar problemas, mas nos diálogos o outro não lhe mostrava reciprocidade. Ela ficava imaginando se suas historias eram entediantes, ou quem sabe ela talvez fosse. No começo essa hipótese de tédio atentou sua mente, mas depois ela foi se descobrindo, estava quase perto de achar a solução ou pelo menos a resposta. Era estressada e por um minuto pensou em deixar de ser uma boa ouvinte, e pagar na mesma moeda, mas então ela conseguiu desvendar o enigma da não reciprocidade.

Ela assumiu a si mesma que talvez faltassem mesmo alguns parafusos, mas percebeu que é falta deles que a faz sonhar, e então não procurou por parafusos nem na primeira gaveta da estante mais próxima. Percebeu também que talvez fosse uma boa ouvinte porque era problemática, criava problemas para resolver, resolvia-os e então quando aparecia o primeiro “cliente” ela já tinha a resposta, respostas essas que constavam nas entrelinhas das loucuras do dia a dia. Ela decidiu que quando olhasse nos olhos de alguém e percebesse sob seus instintos que aquela pessoa não tivesse todos os parafusos no lugar, então contaria algo qualquer, só pelo fato de não se fazer ouvinte, mas ser ouvida. Ela não procura por esse alguém, só acreditava que em algum lugar ele exista.

Albani Trovão