O dente podre
Fui pela última vez na Faculdade, buscar o querido e esperado diploma, no caminho de volta havia um mercado, aí é que entra o dente podre.
A promoção do dia era o alho, saiu de quase vinte reais para menos de treze, ou seja, muitas pessoas correram atrás.
Lá estava eu em um mercado com um ar condicionado que claramente não dava vasão ao climinha de hall do inferno que paira sobre a cidade maravilhosa. Na seção de alhos havia três caixas pequenas com umas dez pessoas em volta feito formigas operárias descascando e escolhendo.
Esperei uns cinco minutos até ter espaço de entrar naquela deliciosa rotina, descascar, escolher. Não me espanta a demora das pessoas, havia muito mais casca do que alhos. Éramos exploradores a procura do tesouro, no caso, alhos.
Alguém muito reclamão fez com o funcionário despejasse mais umas caixas de alhos quase sobre nossas cabeças. Escolhi mais alguns e fui embora com a sensação de dever cumprido.
No caixa, fui direto para os de poucos volumes. Um estava com uma senhora passando seus produtos e uma moça loira esperando. Fiquei ali. Alguns minutos depois olhei para o lado e só havia uma única pessoa solitária passando suas compras. E o que eu fiz? O que qualquer ser humano sem paciência e num pré estágio de derretimento faria, fui ao caixa ao lado.
Deve ter sido mais rápido, você deve estar pensando. É óbvio que não. A caixa, que já tinha problemas de velocidade, vulgarmente conhecido como lerdeza, ainda encontrou problemas nos códigos dos produtos. O primeiro estava apagado, o que a obrigou a digitar cerca de cinquenta e oito números. No segundo, também apagado, ela consultou uma lista com cerca de trezentos itens a procura do bendito código. No terceiro, ela pediu ajuda “Ô, Franciscooo, vê se você enxerga esse número! ”
O tal Francisco não enxergou, e a caixa consultou a listinha de novo. Nessa hora olhei para o caixa ao lado, aquele em que minha pessoa se encontrava, a moça loira que estava na minha frente já passava seus últimos produtos. E eu pensando que Deus era muito do sacana. Quando finalmente chega a minha vez, a moça loira já estava em seu carro partindo rumo ao sonhado ar condicionado. Forcei um “bom dia” para a caixa, ainda tentando ser educada. A caixa não me respondeu, senti uma vontade imensa de dizer “ ô minha filha, ao menos bom dia você pode dar sua mal-educada, se você é infeliz no seu emprego não precisa descontar nas pessoas!!” Mas, por sorte me contive.
Quando finalmente consigo minha liberdade, após passar meu humilde saquinho de alhos. Então eu olho para uma das cabeças de alho que escolhi com tanto carinho, ao menos tentei. Percebo que havia um dente muito podre, mais parecendo o dedo de um zumbi do The Walking Dead.
São as pequenas desgraças do dia a dia que tornam a vida tão maravilhosa.