Fatores no seu espelho

Fatores no seu espelho




Você tem um homem que prega a divisão do país e até mesmo a guerra civil. Ele tem força política. Você tem uma mobilização civil que vai às ruas clamando por decência. Eles são atacados por milícias, ou se preferir por siglas que não passam de milícias disfarçadas. Não tem alma, com isso pretende-se dizer convicção. São free lancers numa folha de pagamento escusa, amealhada com o seu dinheiro. Você não percebe, porque está muito ocupado com parada gay, marcha da maconha, futebol e carnaval. Não, você não é um idiota, porque idiota para você seria um título honorífico. Você arfa num patamar tão baixo que vale menos do que um cadarço amarfanhado. Você tem políticos corruptos envolvidos com torpezas tais quais assassinato, tráfico de drogas, trabalho escravo, etc. Você os elege. Você incendeia ônibus e esquece que a sua mãe vai precisar daquele meio de transporte para ir ao trabalho de faxineira numa casa de família durante 8 horas para que você tenha um par de tênis. Ou então, você deita no sofá do seu ape de classe B ou C e encolhe os ombros, toma um ecstasy, fuma uma bomba ou planeja uma viajem para Costa Rica com sua namoradinha ou namoradinho, posta uma idiotice no facebook e fim de conversa. Se mexer que é bom, nada. Você é um covarde e um preguiçoso. Ou você, que está noutros tons de cinza, reclama que o seu pai, um cara tão legal, está sem os medicamentos que o manteriam vivo graças ao dinheiro dos impostos desviados. Você não faz nada. Martin Luther King, que você provavelmente não sabe o que simboliza, teria avançado muito pouco, mesmo com um prêmio Nobel no colete, não fosse a ajuda de considerável parcela da população caucasiana que marchou junto com ele numa época assim nem tão longínqua e sem sombra de dúvida foi item vital de proteção ao dr. King. Se eles estivessem deitados no sofá assistindo BBB dr. King chegaria antes do previsto aos sete palmos pra baixo da terra. Outro fator decisivo na empreita do pastor foi o posicionamento de pelo menos parte da mídia, diferente do fator tupi, cuja mordaça em larga escala, sem contar a desinformação calculada, joga pessoas como você, burro, apático, mal informado, ressentido, incrédulo, omisso, desleixado, num futuro gueto de Varsóvia. Coisa que você, com toda a certeza, não tem idéia do que seja. Se alguém manda você baixar a voz e arranjar algo de produtivo para fazer, você retruca: fascista (!), com sua voz de taquara rachada e sua cartilha de mortadela com pinga. Ou caviar com champanhe, ou mostra cultural de cinema regada a caipirinha com kiwi. Você está esquartejado, e não sabe. Você é cúmplice, e não aceita. Ah, você é artista, está explicado, e enfia a cabeça na areia como um avestruz tresloucado e recita: na minha terra tem palmeiras onde canta o periquito. Errado, e as palmeiras da sua terra, que não é sua, nunca vai ser, aliás está rifada muito além do dia de seus netos trocarem as suas fraldas. Rifada, soterrada, escalpelada, tísica, já comeram as beiradas faz tempo, mas você não se mexe. Continua repetindo a mesma ladainha, que a culpa é do imperialismo, do capital, dos bancos, dos curdos, dos xiitas, da mãe menininha, do congado. Desculpe dizer, a culpa é sua. Ah, então você é doutor, ou farmacêutico, ou empresário, ou encanador e no minuto em que ficar rico dá no pé, manda os filhos pra fora, abre uma off shore, aqui não há raízes, compromisso, lealdade, só folha de pagamento. Um país se faz de vísceras e não de discursos empolados sobre a complexidade do tecido social blá blá blá. Você, oh céus, você sabe das coisas e tem a resposta, mas vai cobrar por ela, além da sua foto estampada numa brochura em capa dura. Ou, me desculpe, você tem um blog e seguidores, oh puxa, então o mundo mudou com suas minhocas? Sei... Tomar posição que é bom, nem pensar. "Você vai pagar dobrado, cada lágrima rolada nesse meu olhar". Vixe, essa mal consegue colar, o cara que cantou isso mudou de lado, hoje está na folha de pagamento dos estelionatários. Nem música de fundo temos mais. Dr. King deixou uma herança que até hoje o bordão viceja em cartazes dos que não se conformam com o fastio das bestas. Mesmo abatido a tiros, esteve cercado de cernes convictos que saíram de seus muros, seus confortos, seus silêncios. Na trilha sonora do pacificador pairava a canção The Sound of Silence: "E na luz nua eu vi dez mil pessoas, talvez mais, falando sem dizer, ouvindo sem escutar (...) Silêncio é como um câncer que cresce (...) As palavras dos profetas Estão escritas nas paredes do metrô, nos corredores dos cortiços e sussurradas no som do silêncio". O maior fator que vigora em seu espelho, hoje, é o seu silêncio.

(Texto tributo aos brasileiros que não silenciaram em 13 de dezembro de 2015)



(Imagem: René Burri, Disney World, 1972)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 14/12/2015
Reeditado em 04/07/2020
Código do texto: T5479410
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