Ritos de Passagens


 
Dezembro chega.
 
E por chegar sempre dezembro trazendo finais carrega consigo um sabor, doce ou amargo, talvez agridoce, de lembranças. Recordações às vezes saudades, outras nostalgias, outras só lembranças mesmo sem nenhum gosto.
 
 Naquele estado letárgico de nem dormindo e nem acordado a chuva preguiçosa desta manhã de dezembro trouxe o final da infância. Na época nem sabia que era o fim de uma fase da vida – achava que seria só mais um final de ano trazido por aquele dezembro. E nem sabia que o quê se comemoraria naquele dia era na verdade um rito de passagem da infância para adolescência. Terminava a infância e começava a preparação para a fase adulta: adolescia-se assim. E tudo o que viria seria novidade.
 
O motivo pelo qual se comemoraria serviu também de base para tantas outras experiências – passagens e, outras vezes, permanências.
 
Naquele dia daquele outro dezembro era aguardado o resultado do “Concurso para Admissão no Curso Ginasial”: verdadeiro vestibular daquela época em que a escola pública era excludente e só podia cursar quem pudesse pagar cursos preparatórios particulares, uniformes para uso diário e de gala para festividades, livros didáticos e todos demais materiais – paradoxo de uma época. A sociedade era injusta privilegiando quem podia e quem não podia “se virasse” para poder   ou se danasse por sua sorte. Mas isto é assunto para outra crônica que trata de fidalgos cômicos.
 
O pátio do ginásio ficou repleto de pretendentes que disputavam as cem vagas ofertadas. O clima era de ansiedade e o tempo chuvoso – afinal era dezembro.
 
Depois de uma espera eterna foram colados nas vidraças da secretaria da escola os resultados. Sol de risos para a centena e  chuva de lágrimas para milhares.
 
Alegria. O Eu estava entre os aprovados. O nome do colega que também se preparara no mesmo curso também estava naquela lista abençoada. Combinaram então de voltar para casa com o objetivo de noticiar aos familiares a vitória alcançada e juntos comemorarem. Nascia uma amizade.
 
A comemoração seria a despedida da infância: foram para o centro da cidade e tomaram tantos sorvetes quanto podiam: uma extravagância para a época. E depois foram para o cinema. A diversão não era o filme, que nem se lembra qual era, mas atirar bolinhas da arquibancada na plateia que se punha abaixo.
 
Aquela amizade duraria um ano e depois a vida imporia novos rumos: fins e recomeços.
 

Dezembro traz o fim com suas garoas e chuvas preguiçosas. Mas janeiro, o sol e os recomeços.
 


 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 08/12/2015.


 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 10/12/2015
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