SESSÃO DE DESCARREGO

Atacado com frequência por surtos de angústia desesperadores, Ramon resolveu procurar um velho curandeiro conhecido de sua mãe, que morava numa casinha bem simples na periferia da cidade. Foi sozinho, levando para o velho um bolo de cenoura, pois ele não aceitava dinheiro pelos serviços que prestava. Diziam que era infalível em livrar pessoas de mau-olhado e feitiços, com rezas e cantos, que ele interrompia de vez em quando para cuspir pela janela. Segundo a mãe de Ramon, os catarros que às vezes saíam junto com a saliva representavam os malefícios que ele tirava da alma do padecente. Às vezes, diziam, saía algo mais junto com o catarro (quando o mau-olhado ou o feitiço era muito forte), como marimbondos, bernes e até pequenas baratas voadoras. Ramon não acreditava nisso, mas foi até lá mesmo assim, por insistência da mãe.

Ramon se sentou de frente para o velho e começou a ouvir suas palavras, a maioria ininteligível, até que aconteceu a primeira escarrada no quintal, pela janela. “Nada de mais”, pensou Ramon. Mas na segunda, Ramon viu sair da boca do velho um inseto voador, que ele não soube se era um grilo ou um gafanhoto, que voou para bem longe. O velho continuou rezando como se nada tivesse acontecido. Uma senhora que estava com eles anotou alguma coisa num caderno todo sujo de terra e ficou observando o desenrolar da sessão (devia ser uma ajudante). Na terceira escarrada, Ramon viu sair da boca do velho um bicho estranho, que acabou caindo no chão do quarto: parecia uma pequena cobra sem cabeça ou uma salamandra sem patas. “O que está acontecendo?”, perguntou Ramon. “Tem gente te desejando muito mal, meu filho. Vamos livrar você disso, fique tranquilo”, disse o velho. E continuou.

Logo em seguida, três morcegos saíram voando da boca do velho curandeiro, para espanto de Ramon, que esfregou os olhos, incrédulo. E depois uma lagartixa preta, seguida por um sapo boi, que quase matou o velho sufocado (a ajudante teve que puxar o bicho com um alicate de bombeiro). Obedecendo a um sinal do velho, a mulher foi a outro quarto, trouxe um frasco com água e fez Ramon bebê-la, dizendo umas palavras estranhas que Ramon também não entendeu. Foi quando o velho ficou pálido, começou a tremer e entortou os olhos. Ramon tentou acudi-lo, mas foi impedido pela mulher, que disse: “Não faça isso. Ele está terminando. Fique quieto”.

Aí aconteceu o mais inacreditável de tudo. Da boca do velho foi saindo aos poucos uma cobra enorme (que mais tarde, consultando a internet, Ramon descobriu ser uma jararacuçu), com os olhos vermelhos e a boca aberta, mostrando presas afiadas e compridas. Aquilo não parava de sair – a cobra devia ter uns cinco metros ou mais –, e trazia na parte superior do corpo uma espécie de folha seca enrugada, dobrada, cheia de nervuras e filamentos, que, ao se abrir, Ramon viu que eram duas asas gigantescas – como asas de dragão!

Depois de expelir aquilo, o velho desmaiou e foi ao chão, babando sangue, vômito e pus. Logo em seguida a cobra subiu pela parede até a janela, onde bateu as asas e saiu voando, gritando: “malditos, malditos!”.

Imediatamente Ramon se sentiu melhor; a angústia desapareceu. A mulher lhe disse: “Você estava muito carregado, meu filho. Eu nunca tinha visto nada igual... Que todos os deuses te acompanhem”.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 08/12/2015
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