ELOGIO DA MENTIRA
Algumas pessoas dizem que não gostam de ouvir mentiras.
Que preferem ouvir uma verdade, por mais dolorosa que seja...
Mas não é assim que funciona.
Desde tenra idade, as crianças são criadas na mentira.
"Que bebê lindo!"... apesar da nítida cara de joelho...
Eu sou do tempo da Cegonha que trazia os bebês.
Papai Noel está aí para todos. O coelho da Páscoa também.
Isso evidencia que as pessoas gostam de ouvir e acreditar em coisas bonitas. Não importa seja verdade ou mentira.
Não haveria uma sociedade em paz, num mundo em que todas as pessoas fossem sinceras.
Nenhum relacionamento sobreviria.
Será que uma mulher precisa saber que está gorda ou que aquela moqueca de camarão estava horrível?
Será que o homem precisa saber que a mulher acha o pau dele pequeno?
Não. As pessoas não precisam se ofender com as verdades.
Não se trata de ser falso, mas de preservar o que está bom.
Para Emmanuel Kant, a verdade deve ser dita em qualquer ocasião, mesmo que seja para você entregar o seu filho à morte.
Para Kant, se assassinos procurarem por seu filho e perguntarem-lhe se ele está na sua casa, você deve falar a verdade...
Evidente que se trata de uma situação absurda, mas que mostra como a mentira é absolutamente necessária em determinadas circunstâncias.
A mentira raramente machuca. O que machuca é a verdade.
Dizia Jean Paul Sartre: “Para mim, o que vicia as relações entre as pessoas é que cada um conserva, na relação com o outro, alguma coisa de oculto, de secreto. Penso que a transparência deve sempre substituir o segredo. E penso muito no dia em que duas pessoas não terão mais segredos entre si porque não mais os terão para ninguém, porque a vida subjetiva, assim como a objetiva, estará totalmente aberta.”
Eu sempre pensei muito nisso.
Mas uma relação assim implicaria um nível de compreensão e tolerância que o ser humano não possui.
As pessoas não estão preparadas para ouvir determinadas verdades.
Todo mundo gosta de elogios. Todo mundo quer ouvir que está bonita, que canta bem, que fode gostoso, que a comida estava maravilhosa.
Como diz o cazuza: “Mentiras sinceras me interessam, pequenas porções de ilusão.”
É exatamente na necessidade que as pessoas têm em ouvir coisas bonitas e agradáveis, que se baseia os argumentos dos políticos e da propaganda.
Nenhum político que dissesse a verdade seria eleito.
É a culpa não é deles. Mas das pessoas que preferem acreditar em ilusões.
Ocorre o mesmo com a propaganda. Um produto, para vender, precisa de uma propaganda exagerada, que falseia a verdade.
Porque essa é a natureza do homem. O homem se alimenta da mentira.
A verdade é dolorosa e insuportável.
Poucos são os homens capazes de enxergá-la com clareza.
E menos, ainda, aqueles que conseguem transmitir essa verdade aos outros.
Desesperado com a insignificância da existência, o homem criou a maior das mentiras na qual acredita: Deus!
Os hipócritas de plantão vão me chamar de herege.
Mas, qual a diferença entre Deus e Papai Noel?
Deus é aquela mentira que suaviza a vida, que torna a existência confortável.
Evidente que a crença em Deus é uma questão de fé.
Não quero discutir isso... cada qual acredita naquilo que quiser...
Mas não há nada diferente entre acreditar em Jesus, Maomé, Buda, Bhagavad Gita, Candomblé, Umbanda, Alan Kardec, Luis Fabiano, Papai Noel ou Harry Potter...
Eu defendo o direito de as pessoas acreditarem naquilo que lhes conforte, acreditar naquilo que lhes faça feliz...
E nesse aspecto, a mentira não é uma vilã...
A mentira é a Deusa da Ilusão, é a Senhora dos Sonhos
Alimentamos-nos de sonhos, nos alimentamos de ilusão e, portanto, nos alimentamos de mentira..., afinal, como diz Fernando Pessoa:
“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”