O MUNDO ANTE OS OLHOS DE UMA CRIANÇA

Há uns quinze dias aproximadamente, eu tive um dia de fúria, estava conturbado. No momento não ando bem com o meu humor por ver tanto mau humor daqueles que me rodeiam. No final do dia, quando liguei o micro para ver o correio eletrônico havia um e-mail da Lynare Maryen, nossa colega aqui do Recanto das Letras com anexo da canção “Ave Maria no Morro”, em espanhol, cantada por Semino Rossi. Ao ouvi-la minha fúria acabou e meu espírito entrou no túnel do passado do tempo. Eu morava no sudoeste de São Paulo onde nasci entre morros e vales, muito pouco habitado e nada de bonito. À minha esquerda ficava um morro onde algumas vacas pastavam e havia umas plantas de gabiroba ou araçá, à frente um morro cheio de eucaliptos, em cuja base passava um córrego onde aos quatro anos de idade pesquei meu primeiro peixe com anzol feito de alfinete de costura, uma vara de um galho qualquer e linha de costura. À direita mais morros, por trás mais morros. A casa onde morava situava-se na metade desse morro. Em todo esse vale havia poucos moradores, eu não tinha amigos. Quem cuidava de mim eram minhas irmãs Margarida e Nadyr. Tínhamos um rádio de válvulas, um privilégio para a época. À noite, em nossa casa, alguns amigos de meu pai, se reuniam para ouvir as notícias da guerra (creio que era o Repórter Esso). Durante o dia quando pai e mãe estavam trabalhando, minhas irmãs ligavam o rádio e ouviam-se algumas músicas, dentre elas a “Ave Maria no Morro”. Lembro-me de ter perguntado a uma de minhas irmãs se o morro da Ave Maria era algum daqueles que se vislumbrava, porque havia passarada, sol se pondo atrás do morro, tudo aquilo que consta na letra da música se identificava. Lá na beira do córrego havia um rancho e eu perguntei se era ali o Rancho Fundo, pois era quase no fim do mundo. Lembro-me que chorava quando ouvia essa canção. Ao ouvir transmissão de jogo de futebol pensava que era o jogo no campo do Vila e estranhava que o nome de meu pai não era falado. A touceira de capim elefante para mim era o Mato Grosso.

Acho que só me lembro de ter saído da Vila quando tinha quatro anos. Levei susto com a boiada, andei de bonde quando fomos visitar meu avô no Jardim Europa onde hoje é o Shopping Iguatemi. Até então eu era um bicho de goiaba, foi quando saí dessa goiaba e vi que havia outras goiabas na mesma planta. Outros mundos!

Como meu mundo era pequeno! Creio que com todos os meios de comunicação hoje existentes, o mundo ainda é pequeno para muitas pessoas, adultos e crianças, pelo mundo afora. Meus olhos ficaram marejados ao ouvir a “Ave Maria no Morro” como estão agora, ao escrever esta crônica ouvindo essa maravilhosa canção de Herivelto Martins composta em 1942, ano em que nasci.

Santo Bronzato em 29/11/2015

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 05/12/2015
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