Um susto daqueles

Na época da minha juventude, não raras as festas de aniversário de 15 anos eram realizadas na própria residência da aniversariante.

Geralmente as guloseimas eram feitas pela própria família e os móveis da sala arredados para quê, após o “parabéns a você”, a turma pudesse dançar à vontade, obviamente dentro dos padrões estabelecidos para a época (nada de rostos colados!).

Descendo a nossa rua e dobrando à esquerda, na primeira quadra, lá residiam duas grandes amigas da Pinheiro Machado, filhas do Seu Darci e da Dona Cândida – a Carla e a Jurema. Tinham idade muito próximas e sua casa sempre foi aberta aos amigos de forma muito carinhosa.

Chegando o seu aniversário de 15 anos (as duas comemoravam todos os aniversários juntas), nós, as amigas, começamos os preparativos - cortes de tecido comprados no Seu Antônio do Bico, maquiagens compradas da Dona Gilda (do AVON) e por aí afora. Muito raramente tínhamos a oportunidade de ir a Porto Alegre para alguma aquisição. O dinheiro era sempre muito curto para as meninas da Pinheiro Machado, mas nossas mães sempre se puxaram para que as filhas não se entregassem à ausência de algum adorno que as deixassem mais belas.

A ansiedade era inevitável!

Lembro-me até hoje do meu trajinho: uma saia curtinha de linho bege e uma blusa estampada com verde, com uma larga fenda nas costas. O cabelo? Ah sim, ao estilo “pigmaleão”, cheio de laquê! Os olhos pintados com sombra verde nos tons mais variados e, é claro, cílios postiços (na época os cílios postiços eram muito usados – o pior era a tiragem da cola no dia posterior ... mas tudo era válido!).

O dia do aniversário chegou! Três horas de produção e lá saí do meu quarto toda engomada. Meu pai, sentado na sua cadeira preguiçosa na área da nossa casa olhou-me, esboçou um sorriso e foi logo dizendo: “No máximo 1 hora da manhã, minha filha! No máximo!” (aquelas palavras até hoje me doem – sempre fui meio louca, mas no fundo comportada, não esquecendo jamais que sou do signo de virgem, com ascendente em escorpião e lua em leão, o que me confere uma certa dose de “seriedade”).

Chegando lá, me deparei com uma bebida que nunca havia tomado antes, toda ela colocada em uma enorme vasilha de vidro com as xícaras penduradas ao seu redor. A bebida chama-se “bole” e a vasilha “boleira”. É feita com frutas diversas e champagne. Muito boa e “chique” na época. Fiquei encantada.

As aniversariantes estavam lindas como sempre: a Carla com seus cabelos extremamente lisos e negros e a Jurema com seus olhos azuis - sempre muito educadas e, naquele dia, ainda mais solícitas com os amigos. Belas anfitriãs!

O aniversário transcorreu maravilhosamente bem para satisfação especialmente da Dona Cândida, que sempre teve um orgulho imenso “das suas meninas”, tirando um pequeno deslize de nosso amigo José Cardoso, que, estabanado como sempre, acabou tropeçando sobre o lindo bolo de aniversário. Alguns retoques foram dados ligeiramente no bolo e lá seguiu a festa.

Eu, desfalecida com uma paquera de uma semana anterior, acabei esquecendo qualquer promessa feita ao meu pai. “Ele” (a paquera) me tirou para dançar, nos encaminhamos para o meio da sala, cuidei para não colar o rosto no dele e acabei me esvaindo naquela paixão que, convenhamos, era muito mais intensa do que as paixões que rolam atualmente.

A imaginação corria solta até que, subitamente ...um susto daqueles!

Meu pai, trajando o seu pijama listrado, com cara de “leão pronto para pegar a presa”, postou-se na porta de entrada da sala e, somente com o primeiro olhar, repetiu inúmeras vezes a maldita frase quando da minha saída de casa. E meus ouvidos ouviam “no máximo ... no máximo ... no máximo ....”

Não vejo qualquer necessidade de finalizar a história. O episódio por si só se explica!

(escrita para o livro PROSA NA VARANDA 3 - Grêmio Literário Patrulhense - lançado em 01/12/2015)

Rosalva
Enviado por Rosalva em 04/12/2015
Código do texto: T5469742
Classificação de conteúdo: seguro