Crônica por Maria das Dores
Ontem ela chegou de óculos escuros já à tardinha... não havia mais sol para irritar seus olhos...e não era dele que ela estava se escondendo...chorou me mostrando o roxo da face contrastando com o vermelho da esclera...me disse que ia embora, que aquela fora a gota d'água,que agora chegara o fim...olhei bem naqueles olhos inchados de chorar e de apanhar, mas não vi certeza...por que havia sido assim mês passado, ano passado e nos últimos dez anos...e no ciclo vicioso ele prometendo, ela acreditando; ele se humilhando; ela perdoando -e volta lá pro começo ,que não era ciclo era espiral-...não teria fim, tudo seria sempre assim, tudo igual...
Da última vez arrumou as malas, jurou dar sinal para o primeiro táxi que passasse e o táxi parou...mas na estação ele chorou, implorou e no dia seguinte ouvia-se a canção que vinha do outro quintal...era ela,Maria das Dores,cantando suas canções e seus amores... feliz como as peças coloridas que bailavam ao vento no varal...de longe parecia paz, mas eu e ela sabíamos que era um tormento e aquele hiato entre a cura e a próxima ferida era só questão de tempo...aquela calmaria aparente era só o momento silente que precede toda tempestade...e na semana seguinte, depois de um porre no bar, um arroubo qualquer de ciúme, um vestido mais curto, lá ia sua paz de mentira, sua falsa alegria...
E assim foi dia após dia para Maria das Dores que culpava a mãe pelo nome...que nascera destinada ao sofrimento...e Maria que apanhava de noite, na madrugada se calava e se deitava com seu algoz...e afagava a mão cruel que a açoitava...a mesma mão que recebera a aliança que já nem sabia mais por onde andava, de pura tristeza por saber desfeito o juramento de se amarem e se respeitarem eternamente, até que a morte os separasse...mas Maria não sabia que a morte avançaria o sinal e viria por outro caminho que não o natural...e morreu Maria cheia de planos e sonhos, e morreu com ela seu casamento completo pesadelo, numa noite sem lua no começo de dezembro, perto do tempo em que raiaria o ano vindouro, em que tudo mudaria na sua vida, dessa vez para sempre! E aquela mesma mão que ela afagara, abafou seu último grito ...e foi-se Maria e sua esperança, interrompidas e atravessadas pelo fio de um punhal! Morreu Maria,quando a alegria se perdia na noite e a tristeza ganhava o dia!
Linda Lacerda,Vila Velha,dezembro'2015