Escolhendo como morrer


          1. Todo cidadão tem o direito de dizer como quer morrer. Se vai morrer como deseja, é outra história. Uma coisa, porém, é certa: ninguém está livre de ser indagado a esse respeito.
          2. Aos que me fazem essa pergunta, sem arrepios e sem maiores delongas, respondo: olha, para ser sincero, eu não gostaria de morrer. E completo: quero viver, até o final dos tempos. Graça que nem Matusalém, avô de Noé, alcançou, pois, só viveu 969 anos.
          3. Aliás, nessa de nunca querer morrer não estou só. Já ouvi muita gente boa e sensata manifestar esse estranho desejo, se é que é mesmo estranho. Há os que não ousam dizê-lo com medo de serem chamados de imbecis. Não estou nem aí...
          4. O escritor Carlos Heitor Cony, em crônica que acaba de publicar na Folha de São Paulo, escreveu, que, interpelado por um repórter sobre como gostaria de morrer, respondeu  simplesmente "que não gostaria de morrer..."
          5. Outros mudam o rumo da prosa quando são convidados a falar sobre a morte. O escritor Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), na entrevista que concedeu ao jornalista potiguar Osair Vasconcelos, ao ser perguntado como gostaria de morrer, limitou-se a dizer: "Deixo isso para os filósofos. Eu não tenho tempo para olhar a morte, a miséria, o desespero, a angústia."
          6. Já o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), no belíssimo poema A morte absoluta , disse, com todas as letras, como gostaria de morrer.           Vou transcrever o poema do vate pernambucano na íntegra e depois digo por que tomei a decisão de assim fazê-lo.
                 A morte absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra ,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

          7. Lembram que prometi dizer por que decidira transcrever, na íntegra, os versos do Manu?  Pago minha promessa: descartada a possibilidade de jamais morrer, gostaria de morrer como no poema - A morte absoluta - do poeta de a Lira dos cinquent´anos. Se assim vai acontecer, só o deus Tânato sabe. 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/12/2015
Reeditado em 21/10/2019
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