CRIAÇÃO POÉTICA : INSONDÁVEL MISTÉRIO
O que é a criação poética, como se constrói, o que é poesia, esta linguagem cheia de possibilidades nas cores, nos vocábulos desenhados harmoniosamente, no correr livre da fantasia e em harmonias de acordes, evocadora de nossas mais profundas e insondáveis memórias?
Conceituar, definir, isto seria impossível e totalmente desnecessário, pois a linguagem racional neste empenho será um completo desastre. Seria como tomar entre as mãos uma bolha de sabão flutuando no espaço. Ela sumiria entre nossos dedos deixando apenas pequena umidade como lembrança. Pois ao escrever poesia, algum lugar inacessível, ao que convencionamos realidade, é acionado. Nem deuses, nem transpiração, nem fórmulas.
Pois não será a criação poética algo que surge de um lençol subterrâneo tão desconhecido, que ao nos depararmos com algo que escrevemos, em um momento inesperado, aconteça que levemos alguns instantes até reconhecer que é nosso? Assim como, estando em uma sala rodeados de pessoas, nos surpreendemos estando distraídos, ao ver nossa própria imagem refletida no espelho?
Pois olhos, ouvidos, tato e olfato fazem-nos contactar com essa matéria pesada de que somos feitos, em ossos, sangue e musculatura.
Mas são esses sentidos também que, atentos, podem vislumbrar além das aparências, como instrumentos de sensibilização, indicadores de trilhas neste labirinto da existência onde quase tudo se perde em superficialidades. Quantas formas de olhar? Quantos modos de tocar? E ouvir e sentir aromas? Estar atento aos detalhes, não se deixar conduzir pelas águas turbulentas como folha seca. Este "silêncio" interior abre passagem e deixa fluir formas totalmente surpreendentes até para nosso olhos de criadores.
Não faremos poemas com exercícos de academia. Transpirando. O melhor de nós tem que fluir suavemente, apesar de que os caminhos tenham que ser arejados, varridos seguidamente para manter os canais de expressão bem abertos. O melhor de nós poetas não pode ser arrancado à força. Sob encomenda. Uma obviedade que nunca repetimos em demasia. Mas da qual frequentemente temos o desejo de esquecer.
Uma linguagem do inconsciente, já ouvi dizer, pois não importa o nome que lhe demos, se metalinguagem, se linguagem metafórica, temos designações muito didáticas mas que não descem um milímetro neste rio insondável. Pois se limitam a explicar racionalmente. Servem para encher compêndios de teoria literária. Que seja, isso tem lá sua validade. Mas não serei eu, mesmo com poucos desses fundamentos teóricos, que vou acatar definições sobre algo que só pode ser explicado por si mesmo.
Isso vem dimensionar a criação humana como algo que transcende nossa compreensão e que talvez resulte de um estado especial em que conseguimos nos conectar com tal camada subterrânea, como um arquivo onde repouse um paraíso perdido, não de deuses criados pela mente humana, mas de segredos ainda insondáveis para a maioria dos mortais.