Nem pensar...
Demerval é visto na comunidade da Rocinha onde mora, como um homem de princípios. Criou seus filhos, quatro meninas e um menino, debaixo de uma moral rígida feito um assembleiano. Uma tarde, chega na birosca do lugar para comprar pão e encontra Leopoldo, o vizinho do final da viela com uma cerveja na mão.
_ E aí Demerval?
_ Eu estou com raiva, muita raiva.
_ Que é isso homem? Raiva de que?
_ Dei muita porrada no muleque
_ Eu ouvi bem, você bateu em alguém?
_ Enchi a cara dele de porrada.
_ Você está transtornado, bateu com a cabeça, imagine dar porrada no muleque
_ Demerval a coisa pode ficar feia pro seu lado. – fala Amarildo o dono da birosca que ouvia tudo.
_ É, pode haver retaliação, invadirem sua casa, fazer alguma coisa com as meninas.
_ Ele mereceu. – fala ainda irado.
_ Sempre soubemos que você é cheio de moral, mas daí bater no muleque... nem parece você .
_ Cheguei em casa...- fala sem dar ouvido aos outros.
_ Deixa o pessoal do tráfico tomar satisfação, não vai ser uma boa.
_ Demerval eu acho que você deve se esconder por um tempo até baixar a poeira. – fala Amarildo mais uma vez se metendo na conversa.
_ ...estava tudo espalhado por cima da mesa.
_ Meu Deus homem, não quero nem pensar.
_ ...papéis... aquele cheiro... todos...
_ Cadê a Liota? Tem de contar pra ela Demerval, é sua mulher, vocês são uma família.
_ ...não. Na minha casa quero tudo direitinho, ali, na moral.
_ Coitado do muleque.
_ ...não é fácil pra um pai...
_ Filhos no tráfico é um grande problema.
_ Que tráfico? Está louco? Por causa daquela “net” que tem na dua casa, meu filho fica assistindo “Minha casa, sua casa” e inventou de decorar a nossa casa. A parede está “ameixa”, as cadeiras brancas com listras “pêssego” e “limão”, vasos de plantas cheios de buracos como renda, luminárias... Mandei botar de volta na parede o quadro da santa ceia, o plástico transparente em cima da mesa e o relógio de badalo que minha mãe trouxe do estrangeiro do Paraguai. Eu tinha em casa um “decorador” que agora está coberto de porrada.