COVARDIA HUMANA

Ele é um menininho magrinho, mirradinho, parece um ciganinho:moreninho, cabelos lisinhos... inho, inho, inho: Ele é o ‘Vitinho”.

Mas nesse mundinho de inhos dele, existem muitos ões ou ães ou âos. Ele tem irmãos, sente solidão, sua casa é um barracão e nela não têm anciões, nem mãe...

É meu aluno, senta na primeira carteira, uma criança esperta, inteligente. Quando vou falar que o substantivo é primitivo ele já me conta logo alguns de seus derivados, uma graça! Quase sempre fecha o bimestre e, em Língua Portuguesa isso não é tããão comum, mas ele consegue.

Um dia, me deu vontade de chorar. Para esses meninos em transição de infância a adolescência o bullying é cotidiano, infelizmente. Um de seus colegas disse: “O Vítor está fedendo!”. Eu estava de costas, passando uma matéria no quadro, quando até parei de escrever na lousa. Fiquei inerte, chocada. Queria sair da sala e chorar escondido deles mas, não podia. Tomei as dores de Vitinho para mim, ou melhor, como se fosse um filho meu. Virei-me e perguntei ao colega ofensor: Você sabe o porquê dele estar cheirando mal? Você sabe o que aconteceu hoje na vida dele antes dele vir para a escola? O outro respondeu cabisbaixo: não! Eu não falei mais nada e a turma toda se calou também.

Na verdade, eu jamais deveria contar à turma o que se passa na vida de Vitinho, mas eu sei o que se passa. Apesar de estarmos em uma cidade promissora, com boas oportunidades de vida, nem todos tem seu lugar ao sol e, esse é o caso desse garoto.

Ele cuida do irmãos mais novo, perdeu a mãe quando esse irmãozinho nasceu, mora em um barraco, faz comida para todos, pois o pai é alcoólatra, não tem avós por perto para o ajudarem a cuidar de tudo. E ainda assim, com apenas 11 anos é o primeiro da classe. Um verdadeiro guerreiro diante da vida, ignora a covardia humana, em pleno conflito de identidade e de inúmeras oportunidades de cair na marginalidade, ele preferiu escolher o melhor caminho.

Ah! E ainda esqueci-me de dizer: ele anda à pé 5 quilômetros todo dia para chegar até à escola. Não tem jeito mesmo de chegar cheiroso nem depois de um bom banho, debaixo desse sol intenso. Coisas da vida. Só queria não presenciar mais esse tipo de hostilidade.

Beatriz a Emanoela
Enviado por Beatriz a Emanoela em 27/11/2015
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