Com quantos anos você deu seu primeiro perdão?

Já me disseram que a vida não é fácil e que as pessoas são cruéis. Me falaram que em muitos momentos me decepcionarei com os que me cercam e terei de aprender a perdoar. O que as pessoas esquecem , é que eu pratico o perdão desde muito cedo.

O álcool pode matar não é?! Um bêbado em uma noite qualquer, num carro desgovernado e alguém na hora e no lugar errado. Triste. Trágico. Inaceitável! Mas não se esqueçam nunca, que ele também destrói famílias, histórias, lembranças... Ele mata sonhos e fantasias.

Enquanto algumas pessoas recordam-se de infâncias com diversas brincadeiras, alegrias, sorrisos e amor. Eu me recordo da angústia, ansiedade, medo de não saber onde meu pai estava. Recordo também das incontáveis vezes que saí, de bar em bar, procurando meu pai. Era uma rotina de todos os finais de semana. Me recordo das vezes em que ouvia " não tenho dinheiro" o via saindo de casa com a carteira cheia e voltando com ela vazia. Ou da cara de piedade dos Meus vizinhos. Via minha mãe tentando, ao máximo, minimizar o fato de que meu pai chegaria bêbado, caindo mesmo, e passaria mal na sala de estar.

Me recordo que odiava os comerciais de cerveja. Jurava que a culpa de toda a minha infelicidade era das indústrias que fabricavam, e não do meu pai, que não sabia beber. Lembro da ansiedade durante a semana, odiando os finais de semana e pensando " quem foi que inventou isso?", " por que as pessoas gostam dos finais de semana?, são tristes". Na minha memória se encontram as vezes que menti, chorei, escondi chaves, celular, despertador... Na intenção de evitar que ele saísse. Mas ele sempre saía.

Algumas crianças da minha idade sabiam coisa do tipo " a mia do RBD fica com o Miguel no final ". Eu sabia que quando meu pai chegasse o café deveria estar pronto, a roupa separada, as cadeiras e objetos que pudessem machucar deveriam ser afastados e assim que ele entrasse no banho, deveria esconder todas as chaves para que ele não saísse mais.

Eu vivi isso até os Meus 14 anos. Foi difícil. Cresci cedo. Deixei de viver muitas coisas, mas aprendi muitas outras. Aprendi que vitamina B ajuda na ressaca e que café forte não muda quase nada. Aprendi que gente bêbada fica mais verdadeira e mais acessível. Aprendi que , mesmo com vergonha do meu pai, ele era meu pai e que dele eu cuidaria. Aprendi que as pessoas não são perfeitas, mas que elas possuem qualidades e essas devem ser exaltadas e tão lembradas quantos os erros. Aprendi... Aprendi a perdoar.

Perdoar não é dizer " te desculpo" e remoer internamente todas as coisas que te fizeram mal. Não é aceitar as desculpas e continuar magoado, ou aproveitar cada oportunidade para jogar na cara do outro todo o mal que ele te fez. Aprendi que perdoar, é aceitar o que passou ( afinal, não poderá ser mudado mesmo), não guardar mágoas ou rancor e, acima de tudo, não ficar remoendo e sofrendo diversas vezes pela mesma dor.

Algumas pessoas aprendem o perdão muito cedo. Outras, nunca aprenderam de fato. Acham que sabem perdoar, mas no fundo, não conseguem aceitar o que passou. É compreensível não é?! Ninguém quer sofrer. Mas se você já sofreu, então siga a vida e não continue sofrendo pelo mesmo. Derrame lágrimas por algo apenas uma vez, no máximo duas. Em seguida, erga a cabeça e siga em frente.

As vezes olho pro meu passado e vejo quantas coisas eu poderia ter vivido ao lado do meu pai, mas vem também todas as vezes que ele me ensinou tabuada, tempos verbais, expressões matemáticas, construiu maquetes... As vezes me recordo de quando ele ficava caído nos lugares. Largado e esquecido pelos "amigos" que ele tão amavelmente bancava enquanto eu não tinha o que vestir e mal tínhamos o que comer. Em seguida, me recordo dele chegando da pescaria aos domingos, bêbado que mal saía do carro, mas com as pizzas dos Meus sabores favoritos, muito chocolate, muita bala e até presentes. Me recordo dos Meus aniversários frustrados e das péssimas recordações, mas em seguida, me lembro das vezes em que, mesmo bêbado, ele me abraçava e dizia " minha filhota querida " ou apontava pra mim e dizia " essa aqui é minha filha". Ele tinha um certo orgulho de mim, e eu tenho muito orgulho dele. Sabem por quê? Porque as pessoas erram, são falhas, egoístas, mesquinhas... Mas também são maiores que seus defeitos. Ninguém é totalmente bom, assim como ninguém é totalmente mau. A vida é feita de ambiguidades. Somos assim. O mundo é assim. Tudo é bipolarizado. Nada é sempre cerrou ou sempre errado.

Eu cresci cedo demais, mas graças a tudo o que vivi, me tornei mais consciente, mais pé no chão. Os momentos difíceis nos preparam para aproveitarmos e valorizarmos mais os momentos bons. Pois sim, eles virão. Talvez não tão rápido quanto gostaríamos, mas virão.

Aprenda a perdoar verdadeiramente. Aprenda a ver o lado bom, mesmo quando sua vista só enxerga escuridão e negatividade. Aprenda que a vida não é um conto de fadas, mas também não é nenhum filme de terror ou drama bizarro. Ela só é um pouquinho complicada e as coisas nem sempre são como gostaríamos. Mas e dai ? Se no final todo aprendizado é válido, pra que encarar as traições, fracassos, dores, com tanto pessimismo ? Não estou dizendo para viver sorrindo. Não é possível ser feliz o tempo todo ( e, se fosse, as bochechas doeriam horrores), mas também não se vitimize. Os seus problemas não são maiores que os Meus e os Meus não são maiores que os seus. As suas dores não foram as mais terríveis já vividas pelo ser humano. Aceite que você é só mais um com uma história triste. Não queira que as pessoas tenham pena de você, e não tenha pena de si mesmo. Perdoe. Perdoe quem te fez mal. Perdoe suas escolhas ruins. Perdoe as injustiças da vida. Perdoe a sua incapacidade. Perdoe tudo e assim a sua vida será bem mais leve e gratificante.

A marca de um sorriso
Enviado por A marca de um sorriso em 27/11/2015
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