ÚLTIMO CANTO DA CIGARRA
Ysolda Cabral
Sonolenta, escuto um canto! Canto que não identifico e que não me deixa cochilar, - ainda bem, pois estou em pleno horário de trabalho. A minha frente, um novo colega chama minha atenção pelo semblante jovem, bonito, extremamente calmo, e pelo seu brilho natural, nada ofuscado pelo brilho do seu brinco.
Pela belíssima cor da sua pele e pela serenidade do seu porte, o imagino nascido na Bahia de Todos os Santos.
O sono passa, aguço os sentidos e o observo, enquanto escuto o canto que, ora canta e silencia me fazendo alegre e triste a cada instante, a me lembrar da primeira vez que fui a Bahia.
Na época eu estava tão apaixonada que, a cidade do São Salvador, me pareceu um conto, quase de fadas já conhecido, antecipadamente, nos livros de Jorge Amado. Eu me sentia a própria dona Flor, mas apenas com um marido. Na realidade, um noivo, que viria a ser o meu marido e pai de minha filha, pouco tempo depois.
- Ah, a Bahia tem um jeito!...
Pois é! Um jeito, um cheiro que ninguém esquece...
E, continuei escutando o canto, para mim desconhecido, ou não lembrado, atenta as feições do meu colega. De repente peço autorização para lhe fotografar, nem sabia a razão daquele pedido. Creio que senti precisar registrar aquele momento de reflexão e lembranças, quase esquecidas, mas antigas lembranças bonitas...
O fotografo e guardo comigo o momento de reflexão feita numa fração de segundo, ou de um clic, e observo-lhe:
- Jefferson, que canto mais bonito!
Você está ouvindo?
- Estou sim!
É o canto da cigarra indo embora...
- Indo embora para onde? Pergunto temerosa.
E ele calmamente me responde:
- Indo embora desta Vida.
*Dedico esta crônica ao colega de trabalho, Jefferson Leonardo, cearense de nascimento, pernambucano e baiano de coração, que me levou a escrevê-la, num momento de muita emoção.